São Paulo, segunda-feira, 20 de maio de 2002

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O Brasil quadro a quadro

Dicionário com 3.883 longas brasileiros será lançado em duas semanas; pesquisa levou dez anos

Foto Folha Imagem
"Primeiro filme produzido por Mazzaropi, que gastou todas suas economias. Sem dinheiro para as cópias, saiu fazendo showns pelo interior afora. O lançamento foi um enorme sucesso, e Mazzaropi se firmaria como grande realizador"


IVAN FINOTTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Sobrou para um economista a responsabilidade e o trabalho de, finalmente, catalogar em um único livro todos os longas-metragens produzidos no Brasil. Desde 1908, quando os primeiros longas começaram a aparecer no Rio de Janeiro, não se tinha um dicionário completo da filmografia brasileira, com títulos, diretores, técnicos, sinopses, premiação e comentários.
O lançamento de "Dicionário de Filmes Brasileiros" vem preencher essa lacuna e ocupar espaço na estante das principais obras de referência do cinema no país. São 3.883 filmes, sendo 253 ainda em andamento e 215 inacabados. O lançamento está programado para 4 de junho, na megastore da 2001 Vídeo da av. Sumaré. A partir de hoje, o interessado já pode reservar um exemplar no site (www.2001video.com.br) ou nas quatro lojas da locadora.
"Parece incrível, mas não existia até agora no Brasil um registro de títulos dos filmes produzidos aqui", escreve o crítico Rubens Ewald Filho no prefácio do livro.
"Essa é uma obra fundamental. Necessitávamos de um livro desses há muito tempo. Ainda não vi a obra pronta, mas me parece ser bem abrangente", diz Luiz Felipe Miranda, um dos mais respeitados pesquisadores do país, autor do "Dicionário de Cineastas Brasileiros" e "Enciclopédia do Cinema Brasileiro", este com o professor Fernão Ramos.
Alguns dos títulos listados pelo dicionário trazem curiosidades de filmagem e histórias de bastidores (trechos acompanham as fotos ao lado). Outros trazem pouco mais que o diretor, já que muita coisa se perdeu, especialmente na fase do cinema mudo, até os anos 30 (leia texto nesta página).
Apesar das 946 páginas, sente-se falta principalmente de duas coisas: um índice de fitas feitas por cada diretor -o que facilitaria a vida de quem não sabe o nome do filme procurado de cabeça- e um caderno, ou mais, de fotos. "Seria ideal ter no dicionário umas 400 fotos, o que dá cerca de 10% dos filmes. Mas isso envolveria direitos autorais e encareceria demais a obra", diz o economista Antônio Leão.

Independente
Amante de cinema desde criança, Leão lança seu dicionário de forma independente. Não encontrou editora interessada, não conseguiu patrocínio para o trabalho e resolveu fazer tudo sozinho.
"Não gosto de pedir coisas. Preferi bancar a pesquisa e a gráfica", diz o autor, que estima ter gastado 20 mil reais no projeto. "Se recuperar o que investi, já está bom. Realizei meu desejo e sei que estou cumprindo uma função na área do cinema."
Sem patrocínio, movido apenas pelo seu interesse, Leão foi obrigado a trabalhar no dicionário paralelamente ao seu emprego comum. Na empresa de automação predial que está reestruturando, cumpria expediente das 8h às 18h. Em casa, avançava madrugada adentro em meio a livros, catálogos, reportagens, revistas e cartazes. Nos fins de semana, mandava a mulher e as crianças para a chácara do sogro.
O dicionário atrapalhou até os ensaios da banda Satisfaction, na qual Leão toca baixo e guitarra. "Tive que faltar em ensaios e até em alguns bailes", confessa. Para compensar, os colegas da banda ganharam um agradecimento especial na abertura do livro.
O investimento para a obra chegou ao requinte de o economista encomendar um software específico para o trabalho. "Com esse programa, posso pesquisar filmes de diversas formas. Custou cerca de R$ 3.000", diz.
A pesquisa para o dicionário remonta à 1992, quando Leão preparava seu primeiro livro: "Astros e Estrelas do Cinema Brasileiro -0Dicionário de Atores e Atrizes", no qual escreveu 1.500 minibiografias. O livro foi lançado em 98 e, desde então, o dicionário de longas se tornou prioridade.
Inicialmente, a obra estará à venda apenas na 2001 Vídeo, mas Leão negocia com uma distribuidora a possibilidade de colocar o dicionário nas livrarias de todo o país. A primeira edição está saindo com mil exemplares.

Sexo explícito
Muitas das informações do dicionário foram tiradas de outras publicações, mas nem tudo estava disponível. A maior dificuldade foi encontrar informações sobre os filmes dos anos 80, quando o sexo explícito estourou no país.
"Não havia literatura publicada. É o que chamo de período negro. Entrei em contato com produtores e diretores do gênero para levantar as informações", conta.
Em outros casos, Leão foi direto à fonte primária. "Tirei a ficha técnica de muitos filmes do próprio celulóide, com uma lente", diz Leão, que mantém em casa um acervo de 300 fitas em 16mm.
Leão é um dos fundadores da Associação Brasileira de Colecionadores de Filmes em 16mm. Todo sábado, às 19h30, ele e seu colega Archimedes Lombardi exibem filmes fora de circulação na Biblioteca Municipal do Ipiranga.
"São sessões gratuitas e uma vez por mês escolho um filme nacional raro", diz. "Foi minha única condição para ajudar a organizar esse projeto."


DICIONÁRIO DE FILMES BRASILEIROS. De Antônio Leão da Silva Neto. Edição: independente. Lançamento: 4 de junho, às 19h, na 2001 Megastore Sumaré (av. Sumaré, 1.744, tel. 0/xx/11/3873-2017). Reservas: lojas da 2001 Vídeo ou pelo site da locadora (www.2001video.com.br). Quanto: R$ 45 (946 págs.)


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