São Paulo, Quinta-feira, 20 de Maio de 1999
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TELEVISÃO
Emissora veicula comerciais para arrecadar R$ 7 milhões em 99; legislação proíbe publicidade em TV pública
Contra a lei, Cultura exibe propaganda

DANIEL CASTRO
da Reportagem Local

Fracassada a tentativa de cobrança de uma taxa compulsória via conta de luz, no ano passado, a TV Cultura, que está completando 30 anos, resolveu partir para a publicidade para acrescentar R$ 7 milhões aos R$ 56 milhões que receberá do governo do Estado em 99, verba insuficiente para manter a emissora, pagar suas dívidas e produzir novos programas.
A decisão, no entanto, está deixando a Cultura, cuja programação infantil é uma das mais bem conceituadas do mundo, com cara de emissora comercial.
Além de descaracterizar os intervalos da emissora, os seis minutos por hora de publicidade são alvo de uma série de questionamentos:
1) a legislação em vigor proíbe propaganda em TVs públicas e educativas como as que vêm sendo veiculadas pela Cultura (e também pela TVE, do Rio);
2) o estatuto da Fundação Padre Anchieta (mantenedora da emissora) só permite "referência estritamente institucional" de empresas que patrocinam programas;
3) os preços praticados pela Cultura, em valores absolutos, são os mais baixos entre as TVs abertas e se igualam aos cobrados por canais por assinatura;
4) a Cultura contratou, sem licitação, uma empresa para intermediar a negociação com as agências, o que eleva as comissões de terceiros para 37% -o normal é 20%. Além disso, a empresa contratada, a Connect, subcontratou uma outra, a Starsat.
A guinada da Cultura rumo ao mercado publicitário começou em outubro passado, com a intensificação da venda de espaços para empresas dizerem que apóiam determinados programas.
Seguindo experiência inaugurada pela TVE em janeiro de 98, em março deste ano a TV Cultura se abriu para a publicidade explícita, mas com restrições -não aceita propaganda de bebidas e cigarros e nem aquelas que anunciam promoções ou exibem preços de produtos, como as de lojas de móveis (veja quadro abaixo).
Hoje, intervalos de programas como o "Jornal da Cultura", "Roda Viva" e "Cartão Verde" são ocupados por peças que os publicitários chamam de "institucionais".
São institucionais anúncios que reforçam a imagem de determinada empresa ou que mostram vantagens de produtos, mas sem um apelo direto ao consumidor.
Nessa categoria, enquadram-se campanhas como a do Unibanco, atualmente no ar, que mostra como é "agradável" ser cliente do banco, ou a da Caixa Econômica Federal, que reforça a imagem de uma instituição "moderna", também exibidas nas redes privadas.
A emissora também tem veiculado comerciais de carros, como Astra e Corsa, e de empresas aéreas -TAM e American Airlines.
Embora a Cultura tenha uma programação elogiada e, na maioria dos programas, um público qualificado, a tabela de preços da emissora é a mais barata entre as TVs abertas, até mesmo que a da CNT/Gazeta, que tem o mesmo patamar de audiência.
O comercial mais caro é o veiculado no "Roda Viva", às segundas: R$ 3.200 cada inserção de 30 segundos, sem os descontos e as comissões de intermediários.
O valor equivale ao cobrado pela Globo no Estado de São Paulo (a Cultura é captada em todo o Estado) a partir das 2h da madrugada ou durante o "Telecurso 2000".
No entanto, o "Roda Viva", embora não alcance mais do que 2 pontos no Ibope (160 mil telespectadores na Grande São Paulo), é o programa de entrevista que mais repercute -48% de seu público é das classes de consumo A e B.
"Anunciar na TV Cultura é quase uma mala direta", argumenta Ronaldo Gasparini, vice-presidente de operações da agência W/Brasil.
Talvez por causa disso a publicidade na TV Cultura tem a oposição da Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão), entidade que defende os interesses das redes privadas. "Somos a favor da lei, e a lei proíbe propaganda na Cultura", diz Joaquim Mendonça, presidente da Abert.
A publicidade também já causa protestos na Assembléia Legislativa. Anteontem, o deputado Cesar Callegari (PSB), que já foi membro do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta, órgão que rege os destinos da TV Cultura, pediu esclarecimentos sobre o assunto ao secretário estadual da Cultura, Marcos Mendonça.
A rigor, a direção da Cultura está ignorando leis e o próprio estatuto da fundação que a mantém.
O decreto-lei 236/67, instrumento pelo qual o regime militar complementou o Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, diz que "a televisão educativa não tem caráter comercial, sendo vedada a transmissão de qualquer propaganda, direta ou indiretamente, bem como o patrocínio dos programas transmitidos".
A restrição ao patrocínio foi derrubada por leis de incentivo cultural, como a Lei Sarney e Lei Rouanet, mas o veto à propaganda permanece em vigor.
Sobre a ilegalidade, Jorge da Cunha Lima, presidente da Fundação Padre Anchieta, evoca o princípio legal da dessuetude, o desuso que invalida algumas leis com o tempo. Quanto ao estatuto da fundação, diz que só deve ser mudado após aprovação de nova lei sobre comunicação de massas, em elaboração pelo governo federal.


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