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TELEVISÃO
Emissora veicula comerciais para arrecadar R$ 7 milhões em 99; legislação proíbe publicidade em TV pública
Contra a lei, Cultura exibe propaganda
DANIEL CASTRO
da Reportagem Local
Fracassada a tentativa de cobrança de uma taxa compulsória via
conta de luz, no ano passado, a TV
Cultura, que está completando 30
anos, resolveu partir para a publicidade para acrescentar R$ 7 milhões aos R$ 56 milhões que receberá do governo do Estado em 99,
verba insuficiente para manter a
emissora, pagar suas dívidas e produzir novos programas.
A decisão, no entanto, está deixando a Cultura, cuja programação infantil é uma das mais bem
conceituadas do mundo, com cara
de emissora comercial.
Além de descaracterizar os intervalos da emissora, os seis minutos
por hora de publicidade são alvo
de uma série de questionamentos:
1) a legislação em vigor proíbe
propaganda em TVs públicas e
educativas como as que vêm sendo
veiculadas pela Cultura (e também
pela TVE, do Rio);
2) o estatuto da Fundação Padre
Anchieta (mantenedora da emissora) só permite "referência estritamente institucional" de empresas que patrocinam programas;
3) os preços praticados pela Cultura, em valores absolutos, são os
mais baixos entre as TVs abertas e
se igualam aos cobrados por canais
por assinatura;
4) a Cultura contratou, sem licitação, uma empresa para intermediar a negociação com as agências,
o que eleva as comissões de terceiros para 37% -o normal é 20%.
Além disso, a empresa contratada,
a Connect, subcontratou uma outra, a Starsat.
A guinada da Cultura rumo ao
mercado publicitário começou em
outubro passado, com a intensificação da venda de espaços para
empresas dizerem que apóiam determinados programas.
Seguindo experiência inaugurada pela TVE em janeiro de 98, em
março deste ano a TV Cultura se
abriu para a publicidade explícita,
mas com restrições -não aceita
propaganda de bebidas e cigarros e
nem aquelas que anunciam promoções ou exibem preços de produtos, como as de lojas de móveis
(veja quadro abaixo).
Hoje, intervalos de programas
como o "Jornal da Cultura", "Roda
Viva" e "Cartão Verde" são ocupados por peças que os publicitários
chamam de "institucionais".
São institucionais anúncios que
reforçam a imagem de determinada empresa ou que mostram vantagens de produtos, mas sem um
apelo direto ao consumidor.
Nessa categoria, enquadram-se
campanhas como a do Unibanco,
atualmente no ar, que mostra como é "agradável" ser cliente do
banco, ou a da Caixa Econômica
Federal, que reforça a imagem de
uma instituição "moderna", também exibidas nas redes privadas.
A emissora também tem veiculado comerciais de carros, como Astra e Corsa, e de empresas aéreas
-TAM e American Airlines.
Embora a Cultura tenha uma
programação elogiada e, na maioria dos programas, um público
qualificado, a tabela de preços da
emissora é a mais barata entre as
TVs abertas, até mesmo que a da
CNT/Gazeta, que tem o mesmo patamar de audiência.
O comercial mais caro é o veiculado no "Roda Viva", às segundas:
R$ 3.200 cada inserção de 30 segundos, sem os descontos e as comissões de intermediários.
O valor equivale ao cobrado pela
Globo no Estado de São Paulo (a
Cultura é captada em todo o Estado) a partir das 2h da madrugada
ou durante o "Telecurso 2000".
No entanto, o "Roda Viva", embora não alcance mais do que 2
pontos no Ibope (160 mil telespectadores na Grande São Paulo), é o
programa de entrevista que mais
repercute -48% de seu público é
das classes de consumo A e B.
"Anunciar na TV Cultura é quase
uma mala direta", argumenta Ronaldo Gasparini, vice-presidente
de operações da agência W/Brasil.
Talvez por causa disso a publicidade na TV Cultura tem a oposição
da Abert (Associação Brasileira
das Emissoras de Rádio e Televisão), entidade que defende os interesses das redes privadas. "Somos
a favor da lei, e a lei proíbe propaganda na Cultura", diz Joaquim
Mendonça, presidente da Abert.
A publicidade também já causa
protestos na Assembléia Legislativa. Anteontem, o deputado Cesar
Callegari (PSB), que já foi membro
do Conselho Curador da Fundação
Padre Anchieta, órgão que rege os
destinos da TV Cultura, pediu esclarecimentos sobre o assunto ao
secretário estadual da Cultura,
Marcos Mendonça.
A rigor, a direção da Cultura está
ignorando leis e o próprio estatuto
da fundação que a mantém.
O decreto-lei 236/67, instrumento pelo qual o regime militar complementou o Código Brasileiro de
Telecomunicações, de 1962, diz
que "a televisão educativa não tem
caráter comercial, sendo vedada a
transmissão de qualquer propaganda, direta ou indiretamente,
bem como o patrocínio dos programas transmitidos".
A restrição ao patrocínio foi derrubada por leis de incentivo cultural, como a Lei Sarney e Lei Rouanet, mas o veto à propaganda permanece em vigor.
Sobre a ilegalidade, Jorge da Cunha Lima, presidente da Fundação
Padre Anchieta, evoca o princípio
legal da dessuetude, o desuso que
invalida algumas leis com o tempo.
Quanto ao estatuto da fundação,
diz que só deve ser mudado após
aprovação de nova lei sobre comunicação de massas, em elaboração
pelo governo federal.
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