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"DEVASSOS NO PARAÍSO"
Trevisan alterna história e militância
ESPECIAL PARA A FOLHA
João Silvério Trevisan tem
um "passado de lutas" pela
causa homossexual no Brasil, parte delas detalhada nas páginas de
seu dossiê "Devassos no Paraíso",
lançado originalmente em 1986
com 332 páginas e agora revisto,
atualizado e relançado pela Record com 588 páginas profusamente ilustradas.
Tanto a trajetória pessoal como
o talento de ficcionista de Trevisan colocam-no em posição privilegiada para levar a bom termo a
tarefa a que se propôs em "Devassos": um exaustivo levantamento
histórico do comportamento homossexual no país.
Mas existe o lado do militante
apaixonado, que fez a publicação
original inchar desmesuradamente com especulações sociológicas, julgamentos arriscados e
batalhas contra moinhos de vento. Esse destempero desequilibra
em especial os quatro longos capítulos de introdução às partes essenciais do livro -as narrativas
sobre os tais "devassos no paraíso", ou seja, os europeus e americanos fascinados com a liberalidade de costumes sexuais nos trópicos, bem como a descrição de
sua repressão, pela Inquisição ou
pelo regime militar.
O patrulhamento algo "fóbico"
do machismo brasileiro já existia
no livro de 86, cujo capítulo dedicado ao teatro, por exemplo, diz
que Oswald de Andrade debocha
de homossexuais e que Nelson
Rodrigues destila "paranóia homofóbica" em suas peças.
Inserção no mercado
Apesar de iniciar o livro com citações de Pier Paolo Pasolini e
com uma reflexão sobre o "homossexual sob controle da mentalidade empresarial", o autor comemora, à pág. 367, "a definitiva
inserção de homossexuais no
mercado", passando a enumerar
triunfalmente fenômenos recentes provocados por uma liberalidade ligada à máquina do consumo. Isso quando sua própria
compilação já fez ver que os séculos anteriores registraram atitudes sexuais que tornam brincadeira inofensiva a cultura homo
atual.
Assim, as páginas mais contundentes localizam-se nos capítulos
sobre as recuperações históricas.
Entre elas, o caso do argentino
Tulio Carella, que deu aula de teatro no Recife por um ano e foi expulso do país em 62. Admiráveis
também são as páginas dedicadas
à paixão suicida da paisagista Lota Macedo Soares pela poeta norte-americana Elizabeth Bishop,
no Rio; à aventura do ator Carlo
Mossy, que foi "animal de estimação" do lendário falsário Fernand
Legros; ou ao caso do cantor
George Michael com um fã brasileiro, morto em 93.
É uma lástima que a figura do
editor esteja quase em extinção
no Brasil: ele teria contido a ânsia
enciclopédica do autor, evitando
que se impingisse ao público as
cansadas homossexualidades de
Da Vinci ou Michelangelo ou a
grosseria de certa teoria sobre o
caráter homoerótico dos rituais
cristãos.
(ALVARO MACHADO)
Devassos no Paraíso
Autor: João Silvério Trevisan
Editora: Record
Lançamento: dia 24, a partir das 21h
Onde: Museu da Imagem e do Som (av.
Europa, 158, São Paulo)
Quanto: R$ 50
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