|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DANÇA/"SEM LUGAR"
"Pedra" e "areia" saem de Drummond para enriquecer gestos
INÊS BOGÉA
ENVIADA ESPECIAL A BELO HORIZONTE
Da generalização aos
fragmentos, do individual
ao comum: assim se articula o novo trabalho do 1Ato, "Sem Lugar", que estréia hoje em Belo Horizonte. Inspirado em poemas de
Carlos Drummond de Andrade
(1902-87), o espetáculo vai compondo sua paisagem da dança,
num cruzamento mineiro entre
palavra e gesto. Se falta ainda a integração real de uma leitura do
poeta, também é verdade que
Drummond, aqui, é desde já a
memória de um começo.
E o começo, no caso, começa
antes, no "foyer". Pelos buracos
de uma caixa de madeira, o público pode ver um bailarino se movendo, na solidão do seu confinamento. Em cena aberta, depois,
um casal se penteia obsessivamente. No terceiro sinal, o bailarino bate uma pedra contra a outra,
até se esfacelarem.
Esta sequência introdutória já
define o que o espetáculo tem de
virtudes e dilemas. A coreografia,
de Tuca Pinheiro, parte da pesquisa dos movimentos dos bailarinos. Os gestos são alongados e
fluidos, numa dinâmica contemporânea. Essas são virtudes. Os
dilemas vêm à tona quando entram teatro, palavra, poesia. O uso
dos símbolos parece plano: a dança corre o risco de transformar
poemas em imagens, sem que as
imagens façam depois o caminho
inverso. Uma venda de corpos
por anúncios antecede a "Quadrilha" de Drummond ("João que
amava Teresa..."). Ressaltada pelo
figurino de plástico, com códigos
de barra impressos. Nesses momentos a interpretação se torna
tão clichê quanto seu objeto; e
desse labirinto ninguém escapa
sem repetir obviedades.
Onde fica Drummond nisso?
Ele está presente no que o espetáculo tem de mais simples, mais
"areia" e mais "pedra", como
também na erotização dos gestos,
que teriam encantado o autor de
"Corpo". E ausente, na verborragia das denúncias e nas alusões diretas, tão distintas da arte do poeta. Identidade na diferença? Pode
ser. Fica difícil saber quem ficou
sem lugar em "Sem Lugar" -o
que, justiça seja feita, é parte do
que o espetáculo discute.
A crítica Inês Bogéa viajou a convite da
produção do evento
Sem Lugar
Onde: Teatro Sesi/Minas (r. Padre
Marinho, 60, tel. 0/xx/31/3241-7181)
Quando: de qui. a sáb., às 21h; e dom., às
19h; até 7 de julho
Quanto: R$ 10 e R$ 20
Texto Anterior: Música: Marisa Monte faz samba com a Portela Próximo Texto: Contardo Calligaris: Mata, mas não estripa Índice
|