São Paulo, quinta-feira, 20 de junho de 2002

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DANÇA/"SEM LUGAR"

"Pedra" e "areia" saem de Drummond para enriquecer gestos

INÊS BOGÉA
ENVIADA ESPECIAL A BELO HORIZONTE

Da generalização aos fragmentos, do individual ao comum: assim se articula o novo trabalho do 1Ato, "Sem Lugar", que estréia hoje em Belo Horizonte. Inspirado em poemas de Carlos Drummond de Andrade (1902-87), o espetáculo vai compondo sua paisagem da dança, num cruzamento mineiro entre palavra e gesto. Se falta ainda a integração real de uma leitura do poeta, também é verdade que Drummond, aqui, é desde já a memória de um começo.
E o começo, no caso, começa antes, no "foyer". Pelos buracos de uma caixa de madeira, o público pode ver um bailarino se movendo, na solidão do seu confinamento. Em cena aberta, depois, um casal se penteia obsessivamente. No terceiro sinal, o bailarino bate uma pedra contra a outra, até se esfacelarem.
Esta sequência introdutória já define o que o espetáculo tem de virtudes e dilemas. A coreografia, de Tuca Pinheiro, parte da pesquisa dos movimentos dos bailarinos. Os gestos são alongados e fluidos, numa dinâmica contemporânea. Essas são virtudes. Os dilemas vêm à tona quando entram teatro, palavra, poesia. O uso dos símbolos parece plano: a dança corre o risco de transformar poemas em imagens, sem que as imagens façam depois o caminho inverso. Uma venda de corpos por anúncios antecede a "Quadrilha" de Drummond ("João que amava Teresa..."). Ressaltada pelo figurino de plástico, com códigos de barra impressos. Nesses momentos a interpretação se torna tão clichê quanto seu objeto; e desse labirinto ninguém escapa sem repetir obviedades.
Onde fica Drummond nisso? Ele está presente no que o espetáculo tem de mais simples, mais "areia" e mais "pedra", como também na erotização dos gestos, que teriam encantado o autor de "Corpo". E ausente, na verborragia das denúncias e nas alusões diretas, tão distintas da arte do poeta. Identidade na diferença? Pode ser. Fica difícil saber quem ficou sem lugar em "Sem Lugar" -o que, justiça seja feita, é parte do que o espetáculo discute.
A crítica Inês Bogéa viajou a convite da produção do evento



Sem Lugar   
Onde: Teatro Sesi/Minas (r. Padre Marinho, 60, tel. 0/xx/31/3241-7181)
Quando: de qui. a sáb., às 21h; e dom., às 19h; até 7 de julho
Quanto: R$ 10 e R$ 20




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