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DANÇA
Programa dirigido por Belisario Franca percorre o país e registra manifestações da cultura popular, como o tambor de mina
Série de TV mostra o alfabeto coreográfico do Brasil
INÊS BOGÉA
ENVIADA ESPECIAL A SÃO LUÍS
Tem entidade na roda? "Quem
tem olho para ver vê", diz o tocador, seu José, 68, que observa o
culto e espera sua vez. Mas a gente
precisa de ajuda: "Veja o movimento mais intenso daquele e o
balançar do outro, olhe os olhos.
Ouça o som dos tambores".
A série "Danças Brasileiras", dirigida por
Belisario Franca, com apresentação de Antônio Nóbrega e Rosane
Almeida, quer registrar valores da
nossa cultura na dança e no canto
-onde "nossa cultura" significa
uma mistura incomum de marcas
da colonização européia com elementos caboclos, africanos, indígenas, ciganos.
A Folha acompanhou a gravação do tambor de mina, em Maiobão, periferia de São Luís (MA). É
um culto sincrético, de origem
africana, mais conhecido em outros lugares como candomblé ou
macumba. O ritual tem várias etapas: matança e "arriada" de oferendas; insensação da casa, ladainha com orquestra e reza de vodum no altar; o culto, toque de
tambor. Sempre com intervalos
para comida e bebida.
Há também banhos de "limpeza", feitos com ervas e com água
guardada nas jarras do Peji, para
purificar, curar e preparar o espírito. Pai José Itaparandi, 36, do Ilê
Axé Ota Olé (Terreiro de Mina Pedra de Encantaria) explica que
"como o candomblé, o tambor de
mina é uma religião de transe e
possessão, na qual entidades são
evocadas por cânticos e danças,
executadas ao som de tambores".
Como nota Antônio Nóbrega,
manifestações dessa ordem, em
sua maioria, acontecem na periferia: "Todos os participantes vivem, quando não na miséria, na
pobreza [...]. O que mais legitima
a cultura popular, o que lhe dá
transcendência e perenidade, é o
universo coletivo".
Já a importância dos elementos
indígenas é ressaltada por Rosane
Almeida: "Eles têm presença muito marcante nos cocos e no samba
de parelha, para ficar só nesses
exemplos".
Nóbrega e Almeida notam que
uma única manifestação como essa do tambor de mina de Maiobão
já bastaria para se construir um
grande vocabulário. A idéia é
compreender como as danças se
dão, no sentido mais amplo: não
só a interação entre linguagem
corporal e música, mas a vida de
seus fazedores. Com várias etapas
do projeto percorridas, fica claro
que há uma "identidade muito
grande entre as várias danças,
uma unidade dentro da diversidade".
Além das danças na TV, a dupla
fará posteriormente a estréia do
espetáculo "Cancioneiro de Dança". Nóbrega lamenta que os projetos e festivais priorizem hoje a
dança contemporânea e a clássica. Quer dizer: "O chão para a
dança brasileira ainda é de terra
batida". Mas não defende uma
transposição direta: "Qualquer
uma dessas danças, no palco, fica
fora do seu habitat. O nosso papel
é entender o que existe de substancial nelas".
Nesse sentido, o projeto dá continuidade a um trabalho desenvolvido desde os anos 70, com o
intuito de codificar uma linguagem gestual e corporal brasileira.
"Provavelmente não seremos nós
que vamos realizar esse sonho, essa utopia de que o Brasil, com toda a sua diversidade, ganhe representação enquanto nação. Mas estamos marcando posição."
A crítica Inês Bogéa viajou a convite da
Giros Produções
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