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LIVROS
Crítica/"A Guardiã do Farol"
Lugares-comuns tiram força e ritmo de obra de Winterson
Em prosa frouxa, escritora abusa de imagens que ficam na fronteira do kitsch
MICHEL LAUB
ESPECIAL PARA A FOLHA
Jeanette Winterson é
uma das mais conhecidas escritoras britânicas
surgidas na década de 80.
Seus livros foram traduzidos
para 28 países, entre os prêmios que ganhou está o E.M.
Foster Award, e uma busca rápida na internet é capaz de listar elogios a ela de nomes como
Gore Vidal e Muriel Spark.
No entanto, a primeira dúvida que surge de "A Guardiã do
Farol", que chega agora às livrarias do país, diz respeito ao
mais básico dos fundamentos
da literatura: a prosa.
Logo no parágrafo inicial há
uma frase que poderia resumi-la, quando a narradora, uma órfã criada pelo guarda do farol de
um vilarejo na costa escocesa,
fala do pai biológico, um marinheiro que não chegou a conhecer: "Um rombo no casco o
deixou em terra o tempo suficiente para lançar âncora dentro de minha mãe".
Ou seja, o leitor já começa se
questionando se as imagens do
texto -pensemos na "âncora",
ou nos "cardumes de bebês"
que "competiram pela vida" e
foram derrotados pela protagonista após a concepção- têm
alguma força sugestiva ou são
diluições na fronteira do kitsch.
Não é só um preciosismo de
estilo: embora a narrativa seja
em primeira pessoa, recurso
que pode servir de desculpa para todo tipo de barbeiragem
dramática, psicológica ou de
linguagem -como se as incoerências e banalidades se devessem ao personagem, e não ao
autor-, o efeito óbvio da prosa
frouxa é que não acreditamos
no que estamos lendo.
O dilema é irônico pelo fato
de que um dos assuntos do romance é justamente a permanência das histórias, seu poder
de convencimento, a forma como suas verdades e mentiras
influenciam a vida de alguém
como a protagonista.
Para complicar ainda mais a
crítica, o registro de Jeanette
Winterson também é oscilante,
meio realismo, meio lenda,
meio fábula. E nessa ambiguidade é difícil dizer se determinadas frases -"Ninguém sabe
o que acontece no fim da jornada", "Todo recomeço provoca
um retorno" ou "Talvez todas
as histórias mereçam ser ouvidas, mas nem todas merecem
ser contadas"- trazem algum
significado duplo, adequado a
um certo tom mítico que fala de
situações atemporais, arquetípicas, ou são apenas o que aparentam: lugares-comuns, solenidade vazia.
Infelizmente a segunda opção é mais provável, talvez porque em outros atributos, como
o ritmo, os créditos da autora
aos poucos vão se esgotando.
Tramas paralelas
"A Guardiã do Farol" tem
tramas paralelas envolvendo o
guarda, um pregador religioso e
até figuras como Charles Darwin e Robert Louis Stevenson,
mas toda vez que nos envolvemos com alguma delas o andamento é interrompido por uma
digressão sobre o amor, o tempo ou mesmo por novos capítulos com nomes como "A porta
era o corpo dele", "O mistério
de Pew era o próprio mercúrio"
ou "Foi nosso último dia como
nós mesmos".
Se em alguns trechos a tentativa de lirismo até consegue
funcionar, e aí Winterson justifica a celebração em torno de
seu nome, a irregularidade geral impede que o romance vá
muito além desses "pontos conhecidos na escuridão" -para
ficarmos com outra de suas
imagens não particularmente
entusiasmantes.
MICHEL LAUB é autor dos romances "O Segundo Tempo" (2006) e "O Gato Diz Adeus" (2009),
ambos lançados pela Companhia das Letras.
A GUARDIÃ DO FAROL
Autora: Jeanette Winterson
Tradução: Sérgio Duarte
Editora: Record
Quanto: R$ 29 (224 págs.)
Avaliação: regular
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