São Paulo, sábado, 20 de junho de 2009

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LIVROS

Crítica/"A Guardiã do Farol"

Lugares-comuns tiram força e ritmo de obra de Winterson

Em prosa frouxa, escritora abusa de imagens que ficam na fronteira do kitsch

MICHEL LAUB
ESPECIAL PARA A FOLHA

Jeanette Winterson é uma das mais conhecidas escritoras britânicas surgidas na década de 80. Seus livros foram traduzidos para 28 países, entre os prêmios que ganhou está o E.M. Foster Award, e uma busca rápida na internet é capaz de listar elogios a ela de nomes como Gore Vidal e Muriel Spark.
No entanto, a primeira dúvida que surge de "A Guardiã do Farol", que chega agora às livrarias do país, diz respeito ao mais básico dos fundamentos da literatura: a prosa. Logo no parágrafo inicial há uma frase que poderia resumi-la, quando a narradora, uma órfã criada pelo guarda do farol de um vilarejo na costa escocesa, fala do pai biológico, um marinheiro que não chegou a conhecer: "Um rombo no casco o deixou em terra o tempo suficiente para lançar âncora dentro de minha mãe".
Ou seja, o leitor já começa se questionando se as imagens do texto -pensemos na "âncora", ou nos "cardumes de bebês" que "competiram pela vida" e foram derrotados pela protagonista após a concepção- têm alguma força sugestiva ou são diluições na fronteira do kitsch.
Não é só um preciosismo de estilo: embora a narrativa seja em primeira pessoa, recurso que pode servir de desculpa para todo tipo de barbeiragem dramática, psicológica ou de linguagem -como se as incoerências e banalidades se devessem ao personagem, e não ao autor-, o efeito óbvio da prosa frouxa é que não acreditamos no que estamos lendo.
O dilema é irônico pelo fato de que um dos assuntos do romance é justamente a permanência das histórias, seu poder de convencimento, a forma como suas verdades e mentiras influenciam a vida de alguém como a protagonista.
Para complicar ainda mais a crítica, o registro de Jeanette Winterson também é oscilante, meio realismo, meio lenda, meio fábula. E nessa ambiguidade é difícil dizer se determinadas frases -"Ninguém sabe o que acontece no fim da jornada", "Todo recomeço provoca um retorno" ou "Talvez todas as histórias mereçam ser ouvidas, mas nem todas merecem ser contadas"- trazem algum significado duplo, adequado a um certo tom mítico que fala de situações atemporais, arquetípicas, ou são apenas o que aparentam: lugares-comuns, solenidade vazia. Infelizmente a segunda opção é mais provável, talvez porque em outros atributos, como o ritmo, os créditos da autora aos poucos vão se esgotando.

Tramas paralelas
"A Guardiã do Farol" tem tramas paralelas envolvendo o guarda, um pregador religioso e até figuras como Charles Darwin e Robert Louis Stevenson, mas toda vez que nos envolvemos com alguma delas o andamento é interrompido por uma digressão sobre o amor, o tempo ou mesmo por novos capítulos com nomes como "A porta era o corpo dele", "O mistério de Pew era o próprio mercúrio" ou "Foi nosso último dia como nós mesmos".
Se em alguns trechos a tentativa de lirismo até consegue funcionar, e aí Winterson justifica a celebração em torno de seu nome, a irregularidade geral impede que o romance vá muito além desses "pontos conhecidos na escuridão" -para ficarmos com outra de suas imagens não particularmente entusiasmantes.

MICHEL LAUB é autor dos romances "O Segundo Tempo" (2006) e "O Gato Diz Adeus" (2009), ambos lançados pela Companhia das Letras.



A GUARDIÃ DO FAROL

Autora: Jeanette Winterson
Tradução: Sérgio Duarte
Editora: Record
Quanto: R$ 29 (224 págs.)
Avaliação: regular




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