São Paulo, sábado, 20 de junho de 2009

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LIVROS

Crítica/"Eles Foram para Petrópolis"

Bastidores valorizam cartas de jornalistas

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Em abril de 2000, antes da invenção do Twitter e da popularização dos diários virtuais que viriam a ser conhecidos como blogs, os jornalistas brasileiros Ivan Lessa e Mario Sergio Conti começaram a trocar cartas virtuais em público, levadas ao ar pelo UOL. A "Correspondência", título da seção, durou quase um ano.
Os textos, mais os e-mails particulares que trocaram no período, viraram livro, "Eles Foram para Petrópolis - Uma Correspondência Virtual na Virada do Século". O texto público está em redondo, o privado, em itálico, e foi respeitada a ordem cronológica. Ivan Lessa, um dos grandes escritores brasileiros, foi do "Pasquim", colaborou para as principais publicações brasileiras e escreve no serviço brasileiro da BBC em Londres, onde mora há três décadas. Mario Sergio Conti, um dos principais jornalistas de sua geração, é autor de "Notícias do Planalto", sobre a relação da imprensa com o poder nos anos Collor, e comanda a revista "Piauí".
Se o gênero epistolar é um dos mais antigos da literatura, dos gregos antigos às epístolas de Paulo, no "Novo Testamento", tampouco é novidade a publicação de correspondência entre personalidades que possa ter algum valor literário. Vêm à mente os escritos entre Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro e Mário de Andrade e Carlos Drummond de Andrade, para ficar em dois exemplos em língua portuguesa.
As cartas trocadas em público por Lessa e Conti são um prazer de leitura, o bom humor, a insegurança calculada e as brincadeiras com a linguagem do primeiro, a erudição seca do segundo, as cutucadelas de ambos em ambos e no mundo. Mas a pegada do livro é outra: são os bastidores, o "making of", digamos, da correspondência que ia ao ar (pode ser acessada até hoje, de graça, em www1.uol.com.br/correspondencia).
É nos textos inéditos privados que se vê a construção do que viraria público, as preocupações e bobagens cotidianas que, conscientemente ou não, acabariam nos escritos publicados, os recados velados, as broncas em chefes. Um exemplo é o processo de doença e a morte da mãe de Lessa, a cronista Elsie Lessa (1912-2000), que ganha uma pungente homenagem de Conti, ao reescrever numa das "correspondências" uma crônica dela como se fosse dele, mudando o gênero.
O melhor do livro está aí, nessa relação do crime perfeito imaginado por Conti no começo (continuar fazendo o que os dois fazem, que é trocar e-mails, e ainda receber por isso) com a insistência da vida em não seguir roteiros.


ELES FORAM PARA PETRÓPOLIS

Autores: Mario Sergio Conti e Ivan Lessa
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 45 (264 págs.)
Avaliação: bom




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