São Paulo, sexta-feira, 20 de julho de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Nos acordes de Nick Hornby

Escritores brasileiros situam o país na rota da literatura pop, na carona do autor de "Alta Fidelidade"

BRUNO SAITO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A relação entre música pop e literatura nunca mais foi a mesma depois da febre Nick Hornby, autor do best-seller "Alta Fidelidade". O romance, sobre um fracassado dono de uma loja de discos, tornou-se a voz ativa daqueles que fizeram do pop a trilha sonora de suas vidas, deu origem ao filme homônimo de Stephen Frears e à peça de teatro "A Vida É Cheia de Som e Fúria", encenada com sucesso desde o ano passado.
No Brasil, dois novos livros relatam a difícil e acolhedora companhia da música no dia-a-dia.
"A Estratégia de Lilith", de Alex Antunes, e "O Clube dos Corações Solitários", de André Takeda, ambos da Conrad, colocam o país na rota da literatura pop, gênero até então pouco explorado por aqui.
Se, para quem olha de fora, não há diferenças entre o torcedor de futebol e o fã de música pop, para esses autores, a última novidade da indústria fonográfica é a melhor companheira em momentos de crises afetivas e financeiras.
O que mais se aproxima da estética Hornby (listas de músicas, relacionamentos amorosos fracassados) é o romance de estréia do publicitário André Takeda, 28. "Soa meio pretensioso, mas quis fazer um retrato dos jovens da minha geração. No começo, tive medo de colocar muitas referências à música pop, achei que iria restringir o círculo de leitores. Mas não havia outra maneira de retratar essas pessoas."
Ao contar a história de Spit, um jovem de 22 anos que é abandonado pela namorada, o autor não poupa citações de bandas como The Cure, Echo & the Bunnymen e Pixies. O clube, do título, é o nome da banda montada pelo personagem e seus amigos, todos com "corações partidos."
A geração retratada por Takeda é, no mínimo, uma década posterior àquela de Nick Hornby. Mas as semelhanças chegam a espantar em alguns momentos. Em determinado trecho, o personagem conclui: "Tem vezes que acho o rock'n'roll melhor que as pessoas. Os meus CDs não me traem, não discutem, sempre estão à minha disposição".
"Pode parecer cópia de "Alta Fidelidade", que li apenas depois de escrever o meu livro. Em todo o caso, a comparação com Hornby é uma honra", diz o autor.
Enquanto o personagem de Takeda é um típico garoto fã de The Smiths e The Cure (e do universo de garotinhas exóticas), Alex Antunes representa um lado mais trash dos obcecados por música pop e se envereda por outras direções.
O personagem principal chama-se justamente Alex Antunes. Autobiográfico? "A Estratégia de Lilith" fica no limite entre a reportagem e a ficção. "É a história da transformação de um cara que viveu nos bastidores da música pop. Questiono muito esse pseudopoder que o jornalista cultural exerce", conta o autor.
Crítico musical que já trabalhou na Folha, Antunes não poupa farpas às ex-namoradas, aos ex-companheiros de trabalho e aos músicos. O "romance" começa no dia em que o repórter é abandonado e despedido pela amante (que também é sua chefe).
A partir daí, Antunes tece considerações a respeito das dezenas de CDs que recebia das gravadoras quando era crítico ("Cada vez mais raras, depois da leva de pagode-axé-sertanejo, e o que eu chamava de "a quarta perna da besta", o rockinho playboy do Raimundos e mais as centenas de cópias, todas produzidas pelo Miranda"), reclama da amante que não compartilha de seu hábito de ouvir Nine Inch Nails pela manhã e ouve um desabafo do cantor pernambucano Otto.
Antunes (com 41 anos, dois a menos que Hornby) percorre, no entanto, trilhas mais abrangentes que o autor de "Alta Fidelidade", como suas incursões pela rua Augusta, seus relacionamentos com prostitutas e experiências místicas em rituais neoxamânicos ("Lilith" é escrito em "parceria" com Sish, uma espécie de alter ego feminino de Antunes).
A "batalha", entretanto, é muito parecida. Tudo para tentar responder ao eterno dilema freudiano (o que, afinal, as mulheres querem?), entre uma música de Serge Gainsbourg e uma sessão de algum filme de David Lynch.


Texto Anterior: Belle oferece minutos de pura emoção
Próximo Texto: "A Estratégia de Lilith": Autor acha improvável não fazer citações
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.