São Paulo, sábado, 20 de julho de 2002

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LIVROS/LANÇAMENTOS

"DANTE"

Biografia, em quase 200 páginas, resume épico do autor

Obra oferece "Comédia" em termos compreensíveis

JESUS DE PAULA ASSIS
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Dante Alighieri (1265-1321) está 700 anos distante. Foi um homem engajado na política, acreditava em Cristo e na unidade política sob uma monarquia. Casou-se, teve filhos, foi exilado e morreu tentando reconciliar-se com sua pátria, Florença.
Uma biografia semelhante, e talvez mais interessante, poderia ser escrita sobre centenas de contemporâneos seus, pois sua vida não traz um marco que pudesse distingui-lo de uma pessoa educada e de médias posses do início do século 14. Mas Dante escreveu a "Comédia", e isso muda tudo.
A "Comédia" (dois séculos depois chamada "Divina") é um extenso épico que mostra, paralelamente, a ascese de Dante, sua expiação, seu encontro com Deus, uma cosmologia completa, um tratado de moral e, acima de tudo, um retrato pessoal da política de seu tempo, representada tanto alegoricamente (a Igreja como um carro apoiado na fé e na razão) como com os devidos nomes e sobrenomes dos personagens.
Esse poema, que tornou Dante Alighieri o autor de paisagens "dantescas", é, verdade seja dita, praticamente ilegível hoje. Dirigia-se a pessoas educadas (embora escrito em toscano e não no erudito latim), portadoras daquele "pacote" intelectual que se exigia à época: saber de cor algumas passagens da Bíblia, conhecer a história dos profetas, a lista de feitos dos imperadores romanos, rudimentos de Aristóteles etc.
Para leitores de hoje (pelo menos os brasileiros), cujo pacote engloba senos e cossenos, Pedro Álvares Cabral e algo de genética, a maioria das imagens só é compreensível depois de extensas notas de rodapé estudadas.
Assim, o lugar que ocupa uma biografia como esta de R.W.B. Lewis é peculiar: o autor retratado não tem uma vida interessante, e sua obra, pelo menos na forma original, tem poucas chances de ser lida. (Bem entendido: edições da "Comédia" existem aos montes, mas lê-la como o autor pretendia depende de uma disposição intelectual e espiritual que simplesmente não existe mais e não tem como ser reproduzida, a não ser em condições artificiais.)
Mas Lewis consegue, em pouco mais de 200 páginas, resumir a "Comédia" e seus referentes a termos compreensíveis (apesar de uma profusão de nomes de personagens obscuros) e, para os clássicos condenados, isso é o máximo que se pode pretender. É um pouco paradoxal a idéia de que um clássico seja justamente aquele livro cuja leitura já pode ser dispensada. Mas é isso mesmo.
Ainda que sejam menores que Dante, Borges ou Kafka, dois autores cujos sobrenomes também deram origem a adjetivos, terão o mesmo destino. Resta aproveitar enquanto podem ser chamados contemporâneos, pois só nós podemos, de fato, lê-los.


Dante   
Autor: R.W.B. Lewis
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 27,90 (224 págs.)



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