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LIVROS/LANÇAMENTOS
"DANTE"
Biografia, em quase 200 páginas, resume épico do autor
Obra oferece "Comédia" em termos compreensíveis
JESUS DE PAULA ASSIS
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Dante Alighieri (1265-1321) está 700 anos distante.
Foi um homem engajado na política, acreditava em Cristo e na
unidade política sob uma monarquia. Casou-se, teve filhos, foi exilado e morreu tentando reconciliar-se com sua pátria, Florença.
Uma biografia semelhante, e
talvez mais interessante, poderia
ser escrita sobre centenas de contemporâneos seus, pois sua vida
não traz um marco que pudesse
distingui-lo de uma pessoa educada e de médias posses do início
do século 14. Mas Dante escreveu
a "Comédia", e isso muda tudo.
A "Comédia" (dois séculos depois chamada "Divina") é um extenso épico que mostra, paralelamente, a ascese de Dante, sua expiação, seu encontro com Deus,
uma cosmologia completa, um
tratado de moral e, acima de tudo,
um retrato pessoal da política de
seu tempo, representada tanto
alegoricamente (a Igreja como
um carro apoiado na fé e na razão) como com os devidos nomes
e sobrenomes dos personagens.
Esse poema, que tornou Dante
Alighieri o autor de paisagens
"dantescas", é, verdade seja dita,
praticamente ilegível hoje. Dirigia-se a pessoas educadas (embora escrito em toscano e não no
erudito latim), portadoras daquele "pacote" intelectual que se exigia à época: saber de cor algumas
passagens da Bíblia, conhecer a
história dos profetas, a lista de feitos dos imperadores romanos,
rudimentos de Aristóteles etc.
Para leitores de hoje (pelo menos os brasileiros), cujo pacote
engloba senos e cossenos, Pedro
Álvares Cabral e algo de genética,
a maioria das imagens só é compreensível depois de extensas notas de rodapé estudadas.
Assim, o lugar que ocupa uma
biografia como esta de R.W.B. Lewis é peculiar: o autor retratado
não tem uma vida interessante, e
sua obra, pelo menos na forma
original, tem poucas chances de
ser lida. (Bem entendido: edições
da "Comédia" existem aos montes, mas lê-la como o autor pretendia depende de uma disposição intelectual e espiritual que
simplesmente não existe mais e
não tem como ser reproduzida, a
não ser em condições artificiais.)
Mas Lewis consegue, em pouco
mais de 200 páginas, resumir a
"Comédia" e seus referentes a termos compreensíveis (apesar de
uma profusão de nomes de personagens obscuros) e, para os clássicos condenados, isso é o máximo
que se pode pretender. É um pouco paradoxal a idéia de que um
clássico seja justamente aquele livro cuja leitura já pode ser dispensada. Mas é isso mesmo.
Ainda que sejam menores que
Dante, Borges ou Kafka, dois autores cujos sobrenomes também
deram origem a adjetivos, terão o
mesmo destino. Resta aproveitar
enquanto podem ser chamados
contemporâneos, pois só nós podemos, de fato, lê-los.
Dante
Autor: R.W.B. Lewis
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 27,90 (224 págs.)
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