|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"A DIVINA PARÓDIA"
Autor faz a descida de Dante e Beatriz para a vida banal
XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL
O divertido em "A Divina
Paródia" é a graça que o autor faz com a dita grande literatura. O grandioso e o sagrado descem do altar para a vida normal,
pequena, desesperada até. E lá se
vão os pobres simulacros de Dante e Beatriz sem a arrogância, sem
véus ou mofo de antiga prosa.
Álvaro Cardoso Gomes, autor
de tal aventura picaresca, rouba a
pompa e circunstância dos heróis
da famosa e dantesca comédia.
Diogo Cão, o protagonista de caminhos errantes, sofre uma lobotomia, para começo de conversa e
reconhecimento do inferno -essa eterna invenção dos outros.
O menino Diogo é um lesado,
sem controle sequer sobre urina e
fezes. Sua mamadeira contém um
veneno que irá influenciá-lo até as
profundezas: a narrativa melodramática da mãe. Ela o maltrata
com histórias inventadas sobre o
pai, nunca visto pelo pequeno.
Na boca materna, Édipo é uma
desgraça ainda maior, como fosse
narrada por algum Almodóvar ou
por Janete Clair, resultado das novelas que a desalmada senhora
consumiu nos verdes anos.
Maiores, porém, são os poderes
de Deus. Diogo é internado no colégio O Sagrado Pulmão de Jesus,
escola de perversões e sadomasoquismos do jogo supostamente
católico. ""Vós que entrais deixai
toda esperança", eis a inscrição da
entrada de tal casa de corretivos.
E o rapaz, calouro no inferno,
sofreu a primeira sabatina do Padre Hermeneuta, curioso sobre a
contabilidade das masturbações
do pequeno, sobre as diferenças
entre desmaio e gozo, sobre o sexo anal, traduzido na ocasião pelo
inocente e idílico "troca-troca".
O próprio padre fez as contas:
"Doz mil, novecentas e sessenta
masturbações". Soma da safadeza
do menino Diogo registrada no livro da moral pura e dos bons costumes do citado colégio interno.
"A Divina Paródia" é dividida, e
preste atenção sempre na ironia
do formato, em três jornadas: "O
Sagrado Pulmão de Jesus", "The
Creatures of Night Circus" e "Os
Círculos do Paraíso".
Mas o livro não brinca apenas
com a comédia na qual Beatriz
poderia ser uma noiva árabe de
trejeitos à Jade, a da novela "O
Clone". Tem a Bíblia a correr solta, "Odisséia", "Os Lusíadas", o
"Cândido" possível de Voltaire e,
pasmem senhores, "King Kong",
o filme.
Uma gozação bacana, sem medo de divertir o leitor, desse autor
de Batatais (SP), homem sério de
58 anos, ganhador de um Prêmio
Nestlé de literatura com outra boa
prosa, "O Sonho da Terra".
A Divina Paródia
Autor: Álvaro Cardoso Gomes
Editora: Globo
Quanto: R$ 39 (459 págs.)
Texto Anterior: Livros/Lançamentos - "Dante": Obra oferece "Comédia" em termos compreensíveis Próximo Texto: Ensaísta aposta na autobiografia Índice
|