São Paulo, segunda, 20 de julho de 1998

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VÍDEO LANÇAMENTOS
Imagens do inconsciente marcam "surrealistas'

Cenas de "La Coquille et le Clergyman", dirigido por Germaine Dulac "Um Cão Andaluz", de 1928, realizado por Luis Buñuel e Salvador Dalí INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

Pode-se usar o nome vanguarda, mas também "avant garde" -como ficou conhecido o movimento cinematográfico francês dos anos 20-, pode-se falar em surrealismo e dadaísmo ou mesmo em cinepoemas.
O certo é que os filmes da caixa com cinco fitas -que a Continental Home Video está lançando com um ciclo no MIS, entre 23 e 26 de julho- são preciosidades que representam bem o profundo envolvimento dos intelectuais franceses com o cinema naquele período.
Foi um momento dominado pelo surrealismo, um movimento que, em linhas gerais, buscava romper com a dicotomia entre a vida e a criação artística do academismo.
Na prática, isso significava encontrar maneiras de ampliar o repertório de situações dramáticas ou poéticas. E, nesse sentido, o surrealismo tentou quase tudo: a magia, a psicanálise, a arte africana, o marxismo. Por que não o cinema?
Vale esclarecer que, embora o grupo surrealista fosse um círculo restrito, sua influência pôde ser detectada bem além de suas fronteiras. Assim, não é de espantar que o pintor Fernand Léger seja incluído nessa caixa de vídeos ao lado do poeta Jean Cocteau, ou de Luís Buñuel -este sim um cineasta efetivamente ligado ao surrealismo.
Naquele momento, todos procuravam agregar o cinema ao conjunto das velhas artes. Assim como outros cineastas não ligados ao movimento (caso de Germaine Dulac), buscava-se o "cinema puro", não narrativo e não verbal.
Obviamente, os resultados são muito diferentes, quando não discrepantes, a começar dos dois trabalhos inaugurais de Buñuel, "Um Cão Andaluz" e "L'Âge d'Or".
O "Cão" celebrizou-se pela (até hoje) mais violenta imagem da história do cinema: a do olho cortado em dois por uma navalha. Uma imagem concebida ao revés dos demais filmes, pois não se tratava de agradar aos espectadores, mas de incomodá-los.
O problema do filme (que a Continental lança com duas sonorizações: uma de 1960, que seguia a feita originalmente por discos pelo cineasta, na primeira exibição desse trabalho, em 1928, e uma de 1983) talvez esteja na concepção dupla, de Buñuel e Salvador Dalí, conforme aponta Ado Kyrou, estudioso da obra do cineasta.
Já "L'Âge d'Or" é, segundo Kyrou, um filme inteiramente de Buñuel, apesar de o nome de Dalí constar dos créditos. Também é um filme muito mais orgânico, centrado na luta entre o desejo e a repressão, além de marcado pelo evidente anticlericalismo (sua imagem mais clássica é a das ossadas de bispos num rochedo). Um Buñuel vivo, em suma, o que não se pode dizer tão facilmente de "Um Cão Andaluz"
De todos os não-cineastas incluídos na série da Continental, o mais cineasta foi, evidentemente, Jean Cocteau, de quem estão sendo lançados "O Sangue de um Poeta" (1930) e "Orfeu" (1950) -este último fora da caixa.
São dois trabalhos bem diferentes. O primeiro, com imagética solta, de inspiração surrealista (embora o grupo não o apreciasse), ainda partilha da idéia de cinema puro, corrente nos anos 20.
O segundo, uma versão moderna do mito grego de "Orfeu", influenciaria muito mais a nouvelle vague, pela liberdade com que tratava o cinema (num momento em que outro academismo, o cinema da "qualidade francesa") se impunha. Em ambos, um tema recorrente, o da morte.
Embora significativos, os filmes de inspiração surrealista de certa forma compuseram um veio marginal na arte dos anos 20 e início dos 30. As idéias de "cinema puro", de qualidades específicas da imagem.
A idéia central era buscar um tipo de cinema que não se apoiasse no teatro ou no romance do século 19 -ao contrário do cinema corrente, sobretudo hollywoodiano. A dúvida que fica, ainda hoje, é se não estaria havendo uma acaparação do cinema por artistas -isto é, não o encontro da suposta pureza, mas uma outra forma de impureza.
É a esse tipo de dúvida que Antonin Artaud procurará responder.

Caixa: O Surrealismo e o Dadaísmo no Cinema (O Cão Andaluz, L'Age d'Or, Antologia Surrealista 1, Antologia Surrealista 2, O Sangue de um Poeta), e Orfeu Lançamento: Continental (011/283-5255)
Quanto: R$ 120 (a caixa), R$ 49 (cada fita)


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