São Paulo, Terça-feira, 20 de Julho de 1999
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CD ao vivo é pouco para Djavan

FERNANDO DE BARROS E SILVA
enviado especial ao Rio

Djavan foi coerente. Gravou seu novo CD sábado e anteontem, em duas apresentações no teatro João Caetano, na praça Tiradentes, centro do Rio, com ingressos a R$ 5 e R$ 10. O preço dos shows não é no caso a única coisa popular. O CD duplo ao vivo que vai resultar deles, previsto para ser lançado no início de setembro, parece todo ele planejado para agradar a muita gente -e pelo caminho mais fácil.
Músicas todas conhecidas, arranjos convencionais e simples (às vezes quase simplórios), nenhuma novidade, nenhuma inquietação, nenhuma ousadia, nenhum grande acerto, nenhum erro que deva comprometer o conjunto também.
O compositor deve incluir no CD três ou quatro músicas inéditas, que vai gravar em estúdio. Serão ao todo 25 ou 26 canções.
"Seduzir" foi desfigurada em novo arranjo, "Se" e "Sina" aparecem aceleradas, no mais tudo lembra muito o original. A banda, formada por três sopros, duas guitarras, baixo, teclados, bateria e três vocais femininos, apenas cumpre o script, sem brilho.
É de qualquer forma um disco que já nasce consagrado, como seu autor, que completa em fevereiro do ano que vem 25 anos de carreira. A tiragem inicial é de 30 mil cópias para o CD duplo e de 100 mil para cada uma das versões simples e avulsas, que visam alcançar o público que foi ao João Caetano.
Deve vender bem. Mas a MPB e o próprio cantor provavelmente não sentiriam sua falta. Não chega a ser um crime nem uma tragédia, mas é pouco para Djavan. Pode ser um ponto comercial, mas parece um desperdício artístico.
Num país, como se diz, muito musical e saturado de músicos, mas carente nas duas últimas décadas, pelo menos, de talentos, de idéias e de música popular de qualidade, Djavan é um dos pouquíssimos nomes que fizeram diferença. Uniu antes e melhor do que ninguém o samba ao pop, e estes às influências nordestinas que carregou desde a sua origem alagoana.
Americanizou ritmos brasileiros ao mesmo tempo em que abrasileirou o pop, o soul e a balada americana, criando uma dicção originalíssima dentro da MPB. Não foi à toa que gravou "Samurai" com a participação de Stevie Wonder em 82, no CD "Luz". A música negra brasileira e a canção romântica se modernizaram, ganharam fôlego e cores novas com Djavan, a despeito de algumas letras de suas músicas serem desconexas e aparentemente desprovidas de sentido.
Tudo isso o novo CD, onde estarão, segundo Djavan, "músicas que fizeram história" em sua carreira, deve de alguma forma mostrar. Mas deve mostrar sobretudo um compositor acomodado, sem impetuosidade, sem desafios, deslizando na onda da própria fama.
Por que, afinal, regravar uma música já diminuída pelo excesso de exposição como "Oceano"? Djavan não só gravou como a apresentou contra um fundo azul ondulante sugerindo um... oceano. Seria essa a melhor tradução plástica ou visual do que se encontrará em termos musicais no CD.
Desde "Coisa de Acender", de 92, seu último grande disco, Djavan parece ter perdido o brilho dos anos anteriores. Não será dessa vez que voltará a se iluminar. É pena.


O jornalista Fernando de Barros e Silva viajou ao Rio a convite da Sony Music.


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