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São Paulo, quarta-feira, 20 de agosto de 2003

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CINEMA

1º longa de Ricardo Elias tem boa recepção, e espanhol "Segunda-Feira ao Sol" faz sucesso na competição latina

"De Passagem" abre a disputa em Gramado

SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A GRAMADO

"Esse é um filme sobre a amizade", diz o diretor Ricardo Elias, 34, a respeito do primeiro longa de sua carreira, "De Passagem", que abriu a competição brasileira do 31º Festival de Gramado, na noite de anteontem.
Um Palácio dos Festivais não totalmente completo acompanhou a história de Jefferson (Sílvio Guindane) e Kennedy (Fábio Nepô), amigos de infância que se revêem na periferia paulistana, onde nasceram, quando surge a notícia da morte de Washington, irmão do primeiro e parceiro na malandragem do segundo.
Os dois jovens atravessarão a cidade de São Paulo de uma ponta a outra (de ônibus e metrô), para ir ao encontro do corpo de Washington. A viagem é ocasião para repassarem as circunstâncias que transformaram Jefferson em um formando do Colégio Militar, Kennedy em um regenerado traficante, ex-interno da Febem, e Washington em um cadáver à espera de ser reconhecido.
Elias disse que acha "riquíssima" a possibilidade de "o público ter várias visões sobre o mesmo assunto", referindo-se ao domínio da temática das periferias urbanas na safra nacional.
Mas afirma que seu filme pretende desassociar periferia e violência, ao mostrar que pessoas comuns, e não apenas bandidos, vivem longe dos centros. "Nasci em Cidade Patriarca, na zona leste [de São Paulo]. Quando digo isso, as pessoas comentam que devo conhecer bem o universo do crime. Não é verdade. A periferia não é um lugar de bandidos atirando o tempo todo."
O diretor diz que "De Passagem" procura dialogar com "Rio, 40 Graus", de Nelson Pereira dos Santos, na maneira de abordar os personagens infantis, e com "O Grande Momento", de Roberto Santos, no modo de "fazer de São Paulo um personagem". O filme manteve a platéia atenta até o fim.
Mas o sucesso da abertura de Gramado foi o espanhol "Segunda-Feira ao Sol", do cineasta Fernando León de Aranoa, que começou a competição latina e fez o público rir à solta, aplaudir em cena aberta e ovacionar longamente ao final.
Representante do longa na mostra, a produtora espanhola Nuria Atienza disse esperar que, além de se divertir, o público refletisse sobre o que viu.
O que se vê na tela é um grupo de trabalhadores maduros, tentando obter um novo emprego e tocar adiante a vida (amorosa, familiar, social), após o fechamento do estaleiro em que trabalhavam.
No papel do inconformado, mulherengo, solidário, mas também agressivo e bruto Santa, Javier Bardem (em desempenho notável) amalgama o grupo de amigos e a trama do filme.
Aranoa equilibra o universo aviltante e desesperançado em que os personagens mergulham com diversos diálogos engraçados, uma antológica revisão da parábola da cigarra e da formiga e pelo menos uma ótima piada, dita pelo personagem do astronauta russo, em pé de igualdade com os esfarrapados espanhóis.
Trata-se de um diálogo entre dois amigos soviéticos. "Tudo o que nos disseram sobre o socialismo era mentira", observa um. "Mas isso não é o pior. Tudo o que nos disseram sobre o capitalismo é verdade", diz o outro.


A jornalista Silvana Arantes viajou a convite da organização do festival


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