São Paulo, sexta-feira, 20 de agosto de 2004

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Moscou acredita em lágrimas

Divulgação
Olga Benário (1908-1942) - Camila Morgado (no destaque)
Nasceu de uma família judia em Munique. Aos 15 anos, entrou para a Juventude Comunista e começou a militar. Em 1934, é designada para cuidar da segurança de Luís Carlos Prestes. No ano seguinte, fica grávida. Aos sete meses de gestação, é entregue pelo governo Vargas para Hitler. Morre na câmara de gás em fevereiro de 1942


Filme "Olga" deixa a história de lado para se concentrar "nas emoções" da militante comunista enviada à câmara de gás

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Coluna Prestes, Tenentismo, Intentona Comunista, Estado Novo... Quem quiser saber um pouco mais sobre momentos marcantes da história brasileira dos anos 20 aos 40 pode ler "Olga", o livro de Fernando Morais. "Olga", o filme, tem outro objetivo: emocionar.
Não por acaso, a superprodução (R$ 8,5 milhões) que estréia hoje em circuito nacional tem à frente um experimentado diretor de novelas e minisséries: Jayme Monjardim. Em sua estréia nos longa-metragens, ele apostou todas as suas fichas em arrancar lágrimas do público com a vida trágica de Olga Benario.
Nascida em Munique em 1908, Olga trocou, ainda adolescente, a família de classe média pela militância comunista. Em 1934, foi designada por Moscou para proteger Luís Carlos Prestes durante sua volta ao Brasil. Os dois se apaixonaram na viagem.
No ano seguinte, encabeçaram uma tentativa de revolução comunista e foram presos no Rio. Judia, grávida de sete meses, Olga foi deportada pelo governo de Getúlio Vargas em 1936 para a Alemanha de Hitler. Na prisão, teve sua filha Anita Leocádia, que aos 14 meses passou a ser criada pela mãe e a irmã de Prestes. Em 1942, Olga morreu na câmara de gás de Bernburg.
"O filme é um mergulho na personalidade da Olga. O Prestes é co-protagonista, a história de amor é co-protagonista, e o país daquela época é o pano de fundo", delimita Monjardim, pondo o coração à frente da razão. "Acho muito mais profundo discutir as emoções da Olga e do Prestes do que os fatos, que estão aí claros, não têm mistério."
Anita Leocádia, hoje com 66, historiadora, assistiu à pré-estréia no Rio ao lado da tia que a criou, Lígia, e fez ressalvas. Não gostou de o filme acabar sem indicar como a vida política de Prestes prosseguiu e condenou as cenas em que seu pai, preso, conversa com o chefe de Polícia, Filinto Müller.
"Essas conversas e a morte da [militante comunista] Sabo no barracão de Olga [no campo de concentração] foram as únicas cenas inventadas", diz a roteirista e produtora Rita Buzzar. "Não fiz concessões, não dourei a pílula. Olga aparece como comunista e sectária. Só que não é fácil para o público entender uma revolucionária dos anos 30. Muita gente ainda acha que comunista come criancinha." "O filme guarda rigor histórico quase o tempo todo. E não foi preciso eliminar personagens, fundir, criar", diz Fernando Morais, cujo livro, de 1985, já chegou a 20 países e vendeu cerca de 1 milhão de exemplares.
Na entrevista feita para o livro, Prestes revelou a Morais que costurava roupas para Olga -fruto de ter sido criado por mulheres- e que teve com ela, aos 37 anos, sua primeira relação sexual. Os fatos estão no filme para reforçar o aspecto "humano", e não mítico, de Prestes e Olga.
"O filme retrata fielmente o livro, mas entre quatro paredes é ficcional", afirma Monjardim. "Em nenhum lugar diz que Olga pegou as mãos do Prestes, foi levando devagarinho para o corpo dela... É a minha interpretação. Assumo total e absoluta responsabilidade sobre qualquer gesto dessa Olga que está no filme."
Diretor, roteirista e todo o elenco se fiaram nas cartas de Olga e Prestes -reunidas nos três volumes de "Anos Tormentosos"- para compor história e personagens. A correspondência é a prova da intensidade do amor entre os dois. "Quem não quiser ver isso está cego", afirma Monjardim.
Na forma de contar os dramas de Olga, o diretor usou marcas de seu trabalho em TV, como a trilha sonora de Marcus Viana pontuando praticamente todas as cenas. Uma câmara lenta, ainda que suave, também se faz presente quando Olga pendura roupas de sua filha num varal.
"Em nenhum momento sinto que pincelei mais para dar emoção. Com música, sempre trabalhei, é um estilo mesmo. E, se você pegar grandes filmes americanos, tem música do início ao fim", diz Monjardim.
O elenco é um trunfo de "Olga". Camila Morgado, que trabalhou com o diretor na minissérie "A Casa das Sete Mulheres", dispôs-se a aprender alemão e russo, fazer treinamento militar, emagrecer sete quilos e raspar o cabelo para viver a protagonista.
"O filme é uma grande despedida. As esperanças vão minguando aos poucos. Começa em 100% e acaba em 10%. Não chega a zero porque, como Olga diz, ir para a morte não exige que ela se renda", diz a atriz.
Caco Ciocler faz um Prestes que impressiona pela semelhança física e por uma suavidade que contrasta com a imagem de um militar e líder comunista que ordenou assassinatos -como aparece no filme. "Ele era pequeno, doce, tímido, reservado, não era grande orador. Por isso, provocava estranheza nas pessoas", diz Ciocler.
Fernanda Montenegro como Leocádia, mãe de Prestes, e Osmar Prado, como Vargas, são duas participações especiais.


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