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CINEMA
Roteiro inédito deixado pelo diretor traz um novo bandido que será vivido por Selton Mello e Paulo César Pereio
Mostra homenageia Rogério Sganzerla
THIAGO STIVALETTI
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Com um personagem tirado das
páginas policiais, a narração de
uma emissora de rádio AM, montagem inovadora e uma fé interminável no estilo de Orson Welles, ele criou uma das maiores
obras do cinema brasileiro moderno. Morto de câncer em janeiro deste ano, Rogério Sganzerla,
diretor de "O Bandido da Luz
Vermelha", finalmente ganha
uma homenagem à sua altura.
O Cinesesc abre hoje para convidados a mostra "Rogério Sganzerla Por um Cinema Sem Limites", que traz como carro-chefe as
cópias restauradas de três filmes:
o primeiro de toda a carreira, o
curta "Documentário" (1966), e
os longas "A Mulher de Todos" e
"Copacabana Mon Amour", ambos de 1970. Outro destaque é a
estréia de "Elogio da Luz", documentário de Joel Pizzini e Paloma
Rocha sobre o cineasta.
A mão por trás do evento é da
viúva de Sganzerla, a baiana Helena Ignez, 65. Sua visão da obra do
marido não é só de mulher, mas
também de artista. Uma das grandes atrizes do cinema brasileiro
dos anos 60 e 70, ela participou de
oito filmes do cineasta, entre eles
"O Bandido" e "O Signo do
Caos", seu último filme, com estréia prevista para março de 2005.
Seu próximo desafio é levar às
telas "Luz nas Trevas a Revolta de
Luz Vermelha", roteiro deixado
por Sganzerla, uma espécie de recriação em tom operístico de "O
Bandido da Luz Vermelha". Agora rebatizado com o codinome
"Tudo ou Nada", o novo bandido
comete assaltos extraordinários,
mas nunca assassinatos como seu
antecessor.
Selton Mello deverá viver o bandido na fase jovem, e Paulo César
Pereio, nos últimos dias de sua vida. Ignez, que conclui o processo
de captação para o filme, orçado
em R$ 1,9 milhão, dirigirá o filme
e pretende iniciar as filmagens em
março. Leia a seguir entrevista
com a atriz:
Folha - Você trabalhou e foi casada com Glauber Rocha antes de conhecer Sganzerla. Quais foram
suas primeiras impressões sobre
ele ao filmar "O Bandido da Luz
Vermelha"?
Helena Ignez - Antes de nos encontrarmos no Rio, eu já tinha
ouvido falar muito sobre o trabalho de Rogério como crítico de cinema por meio de Julio Bressane
e Gustavo Dahl (também diretores). Quando nos conhecemos,
ele me apresentou um artigo maravilhoso que havia escrito sobre
"O Padre e a Moça" (1965), de Joaquim Pedro de Andrade, no qual
eu atuei. Desde o início, achei-o
um diretor tão criativo quanto
Glauber (só que mais organizado), urbano e original.
Folha - Você já declarou que a carreira internacional do "Bandido"
sofreu uma espécie de sabotagem
do pessoal do Cinema Novo. Como
foi isso?
Ignez - Foi uma espécie de ciúme, um sentimento natural por
um cineasta mais jovem e tão explosivo que de repente surgia de
um outro ambiente. Houve boicote mesmo. Em 1969, preferiu-se
enviar a Cannes um filme que logo foi esquecido ("A Compadecida", de George Jonas, com Regina
Duarte). Mas o tempo trouxe o reconhecimento que o "Bandido"
merecia. Agora ele começa a ser
descoberto nos Estados Unidos e
na Europa e acaba de ser vendido
para a RAI italiana.
Folha - Quais foram as dificuldades enfrentadas pelos filmes seguintes, rodados em 1970 ("Sem
Essa, Aranha", "A Mulher de Todos" e "Copacabana Mon Amour")?
Ignez - Com o agravamento da
ditadura, tivemos que fugir do
Brasil. Pegamos as cópias e terminamos "Sem Essa, Aranha" no exterior. "Copacabana" só foi exibido em algumas sessões alternativas em Londres, mas sempre com
um imenso sucesso de público.
Folha - Ser a musa do próprio marido trouxe mais responsabilidades
como atriz?
Ignez - Eu fui a musa inspiradora, mas não fui tão passiva no trabalho de Rogério. Se ela é passiva,
a criação não flui de verdade. A
musa é simplesmente uma pessoa
que nos inspira. Esta semana, por
exemplo, fui ver o espetáculo de
Peter Brook e descobri que o Yoshi Oida é um muso pra mim, um
dos melhores atores do mundo.
Folha - Como está a produção de
"Luz nas Trevas"?
Ignez - Como definiu o Rogério,
trata-se ao mesmo tempo de uma
comédia presidiária e um melodrama criminal. A idéia é criar
um filme com a cara de São Paulo,
pontuado de figuras típicas da cidade como João Gordo, só que
com um estilo muito característico. Quando ele me entregou o roteiro, tinha nada menos que 600
páginas, várias versões, era muito
"frondoso". Rogério o escreveu
ao longo de nove anos de forma
intermitente. Havia seqüências
rascunhadas em cardápio de hotel, catálogo de festival de cinema... Com a orientação dele, fui
"limpando" a história de suas
próprias influências.
Folha - Ainda há muita coisa da
obra de Sganzerla para vir à tona?
Ignez - Sim, o acervo é muito
vasto. Do trabalho como escritor
eu nem tenho uma conta; quanto
aos filmes, calculo que ainda há
cerca de 30% de sua obra cinematográfica desconhecida. Mas esse
era mesmo o projeto dele, o de
que sua obra aparecesse ao longo
de 50 anos depois de sua morte.
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