São Paulo, sexta-feira, 20 de agosto de 2004

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CINEMA

Roteiro inédito deixado pelo diretor traz um novo bandido que será vivido por Selton Mello e Paulo César Pereio

Mostra homenageia Rogério Sganzerla

THIAGO STIVALETTI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Com um personagem tirado das páginas policiais, a narração de uma emissora de rádio AM, montagem inovadora e uma fé interminável no estilo de Orson Welles, ele criou uma das maiores obras do cinema brasileiro moderno. Morto de câncer em janeiro deste ano, Rogério Sganzerla, diretor de "O Bandido da Luz Vermelha", finalmente ganha uma homenagem à sua altura.
O Cinesesc abre hoje para convidados a mostra "Rogério Sganzerla Por um Cinema Sem Limites", que traz como carro-chefe as cópias restauradas de três filmes: o primeiro de toda a carreira, o curta "Documentário" (1966), e os longas "A Mulher de Todos" e "Copacabana Mon Amour", ambos de 1970. Outro destaque é a estréia de "Elogio da Luz", documentário de Joel Pizzini e Paloma Rocha sobre o cineasta.
A mão por trás do evento é da viúva de Sganzerla, a baiana Helena Ignez, 65. Sua visão da obra do marido não é só de mulher, mas também de artista. Uma das grandes atrizes do cinema brasileiro dos anos 60 e 70, ela participou de oito filmes do cineasta, entre eles "O Bandido" e "O Signo do Caos", seu último filme, com estréia prevista para março de 2005.
Seu próximo desafio é levar às telas "Luz nas Trevas a Revolta de Luz Vermelha", roteiro deixado por Sganzerla, uma espécie de recriação em tom operístico de "O Bandido da Luz Vermelha". Agora rebatizado com o codinome "Tudo ou Nada", o novo bandido comete assaltos extraordinários, mas nunca assassinatos como seu antecessor.
Selton Mello deverá viver o bandido na fase jovem, e Paulo César Pereio, nos últimos dias de sua vida. Ignez, que conclui o processo de captação para o filme, orçado em R$ 1,9 milhão, dirigirá o filme e pretende iniciar as filmagens em março. Leia a seguir entrevista com a atriz:

Folha - Você trabalhou e foi casada com Glauber Rocha antes de conhecer Sganzerla. Quais foram suas primeiras impressões sobre ele ao filmar "O Bandido da Luz Vermelha"?
Helena Ignez -
Antes de nos encontrarmos no Rio, eu já tinha ouvido falar muito sobre o trabalho de Rogério como crítico de cinema por meio de Julio Bressane e Gustavo Dahl (também diretores). Quando nos conhecemos, ele me apresentou um artigo maravilhoso que havia escrito sobre "O Padre e a Moça" (1965), de Joaquim Pedro de Andrade, no qual eu atuei. Desde o início, achei-o um diretor tão criativo quanto Glauber (só que mais organizado), urbano e original.

Folha - Você já declarou que a carreira internacional do "Bandido" sofreu uma espécie de sabotagem do pessoal do Cinema Novo. Como foi isso?
Ignez -
Foi uma espécie de ciúme, um sentimento natural por um cineasta mais jovem e tão explosivo que de repente surgia de um outro ambiente. Houve boicote mesmo. Em 1969, preferiu-se enviar a Cannes um filme que logo foi esquecido ("A Compadecida", de George Jonas, com Regina Duarte). Mas o tempo trouxe o reconhecimento que o "Bandido" merecia. Agora ele começa a ser descoberto nos Estados Unidos e na Europa e acaba de ser vendido para a RAI italiana.

Folha - Quais foram as dificuldades enfrentadas pelos filmes seguintes, rodados em 1970 ("Sem Essa, Aranha", "A Mulher de Todos" e "Copacabana Mon Amour")?
Ignez -
Com o agravamento da ditadura, tivemos que fugir do Brasil. Pegamos as cópias e terminamos "Sem Essa, Aranha" no exterior. "Copacabana" só foi exibido em algumas sessões alternativas em Londres, mas sempre com um imenso sucesso de público.

Folha - Ser a musa do próprio marido trouxe mais responsabilidades como atriz?
Ignez -
Eu fui a musa inspiradora, mas não fui tão passiva no trabalho de Rogério. Se ela é passiva, a criação não flui de verdade. A musa é simplesmente uma pessoa que nos inspira. Esta semana, por exemplo, fui ver o espetáculo de Peter Brook e descobri que o Yoshi Oida é um muso pra mim, um dos melhores atores do mundo.

Folha - Como está a produção de "Luz nas Trevas"?
Ignez -
Como definiu o Rogério, trata-se ao mesmo tempo de uma comédia presidiária e um melodrama criminal. A idéia é criar um filme com a cara de São Paulo, pontuado de figuras típicas da cidade como João Gordo, só que com um estilo muito característico. Quando ele me entregou o roteiro, tinha nada menos que 600 páginas, várias versões, era muito "frondoso". Rogério o escreveu ao longo de nove anos de forma intermitente. Havia seqüências rascunhadas em cardápio de hotel, catálogo de festival de cinema... Com a orientação dele, fui "limpando" a história de suas próprias influências.

Folha - Ainda há muita coisa da obra de Sganzerla para vir à tona?
Ignez -
Sim, o acervo é muito vasto. Do trabalho como escritor eu nem tenho uma conta; quanto aos filmes, calculo que ainda há cerca de 30% de sua obra cinematográfica desconhecida. Mas esse era mesmo o projeto dele, o de que sua obra aparecesse ao longo de 50 anos depois de sua morte.


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