São Paulo, domingo, 20 de agosto de 2006

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DVD

Em "Fahrenheit 451", Truffaut faz ode aos livros como veículo das emoções

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

A paixão pelos livros só compete, nos filmes de Truffaut, com o amor pelo próprio cinema. Seus personagens lêem compulsivamente e recitam trechos de obras. E, quando o diretor francês realizou seu quinto longa, em 1966, a partir da obra de ficção científica "Fahrenheit 451", já acumulava dois trabalhos cuja origem eram romances: "Atirem o Pianista" e "Jules e Jim -Uma Mulher para Dois".
A história original, de autoria de Ray Bradbury, transformava livros em heróis. Quando os livros entram em processo de extinção devido à censura de um governo autoritário, homens-livros se ocupam de manter viva a poesia. A memória e o relato coincidem nesse filme que nada tem, portanto, de atípico na carreira do diretor francês, apesar da aparência fria e distanciada de sua narrativa.
Ele se dedicou ao projeto desde que concluiu seu primeiro longa, "Os Incompreendidos". Queria realizá-lo em francês, com Jean-Paul Belmondo como Montag, o bombeiro que se revolta contra a tarefa de destruir livros. Mas só conseguiu levá-lo a cabo em condições adversas. Sem falar inglês, aceitou a oferta de produtores para realizar o filme em Londres, com atores britânicos e falado em inglês.
Os obstáculos não impediram Truffaut de alcançar o patamar mínimo de qualidade que já marcava seus filmes. Para quem admira seus trabalhos carregados de paixão, pode parecer estranha essa visão seca de um futuro regido pelo controle. Como "1984", de George Orwell, em sua sociedade a emoção está banida, e a poesia da literatura é o bode expiatório desse estranho processo.
Os bombeiros perderam sua função, já que as construções são feitas à prova de incêndios. Então, torna-se tarefa deles perseguir bibliotecas e destruir livros na temperatura em que estes entram em combustão, daí o título "Fahrenheit 451".
O sentimento humano e as artimanhas da paixão, temas essenciais da obra de Truffaut, transferem-se então para esse universo em que contar histórias é a forma mais bem acabada de traduzir as emoções. Longe de se reduzir a um filme-denúncia de sociedades totalitárias, "Fahrenheit 451" é um relato no qual preservar a poesia torna-se sinônimo de não deixar que o humano seja extinto pela força das leis e das regras.


FAHRENHEIT 451     
Direção: François Truffaut
Distribuição: Universal (R$ 45)


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