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Em "Fahrenheit 451", Truffaut faz ode aos livros como veículo das emoções
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
A paixão pelos livros só
compete, nos filmes de
Truffaut, com o amor
pelo próprio cinema. Seus personagens lêem compulsivamente e recitam trechos de
obras. E, quando o diretor francês realizou seu quinto longa,
em 1966, a partir da obra de ficção científica "Fahrenheit 451",
já acumulava dois trabalhos cuja origem eram romances: "Atirem o Pianista" e "Jules e Jim
-Uma Mulher para Dois".
A história original, de autoria
de Ray Bradbury, transformava
livros em heróis. Quando os livros entram em processo de extinção devido à censura de um
governo autoritário, homens-livros se ocupam de manter viva a poesia. A memória e o relato coincidem nesse filme que
nada tem, portanto, de atípico
na carreira do diretor francês,
apesar da aparência fria e distanciada de sua narrativa.
Ele se dedicou ao projeto
desde que concluiu seu primeiro longa, "Os Incompreendidos". Queria realizá-lo em francês, com Jean-Paul Belmondo
como Montag, o bombeiro que
se revolta contra a tarefa de
destruir livros. Mas só conseguiu levá-lo a cabo em condições adversas. Sem falar inglês,
aceitou a oferta de produtores
para realizar o filme em Londres, com atores britânicos e falado em inglês.
Os obstáculos não impediram Truffaut de alcançar o patamar mínimo de qualidade
que já marcava seus filmes. Para quem admira seus trabalhos
carregados de paixão, pode parecer estranha essa visão seca
de um futuro regido pelo controle. Como "1984", de George
Orwell, em sua sociedade a
emoção está banida, e a poesia
da literatura é o bode expiatório desse estranho processo.
Os bombeiros perderam sua
função, já que as construções
são feitas à prova de incêndios.
Então, torna-se tarefa deles
perseguir bibliotecas e destruir
livros na temperatura em que
estes entram em combustão,
daí o título "Fahrenheit 451".
O sentimento humano e as
artimanhas da paixão, temas
essenciais da obra de Truffaut,
transferem-se então para esse
universo em que contar histórias é a forma mais bem acabada de traduzir as emoções. Longe de se reduzir a um filme-denúncia de sociedades totalitárias, "Fahrenheit 451" é um relato no qual preservar a poesia
torna-se sinônimo de não deixar que o humano seja extinto
pela força das leis e das regras.
FAHRENHEIT 451
Direção: François Truffaut
Distribuição: Universal (R$ 45)
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