São Paulo, sábado, 20 de agosto de 2011

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CRÍTICA POESIA

Bom empenho de tradução revela obra densa de Ezra Pound

"Lustra", de 1916, chega pela primeira vez completo em português, junto a um estudo do tradutor Dirceu Villa

MARCELO TÁPIA

ESPECIAL PARA A FOLHA

Vindo de 1916, chega-nos, com bela aparência, um conjunto de poemas do norte-americano Ezra Pound, apresentado no original e, pela primeira vez, em versão completa para nossa língua.
"Lustra" surge integrado à dissertação de mestrado de seu tradutor, Dirceu Villa, que inclui um estudo sobre a poesia de Pound e notas aos poemas do livro.
Mais uma fonte em português da produção de um autor fundamental do século 20, e, entre nós, referência dos poetas concretos, que nos propiciaram traduções modelares de sua obra.
Entre os poemas de "Lustra" (plural do latim lustrum, "sacrifício expiatório, purificação") estão, centralmente, os epigramas crítico-irônicos, como "Society": "A posição da família minguava,/ E por isso a pequena Aurélia,/ Que gargalhara em dezoito verões,/ Tolera agora o toque mole de Phidippus."
Mas o livro reúne peças de feições diversas, que permitem, como o fez Villa, enquadrá-las em diferentes categorias; uma delas a das personae (as "máscaras" de Pound, um meio de assumir a voz de outros poetas), palavra que deu título à reunião da poesia anterior a "Os Cantos".
"Lustra" é um marco na trajetória do escritor por anunciar aspectos de sua obra principal, como a simultaneidade de épocas distantes, a convivência das tradições ocidental e oriental com a modernidade, da imitação com a inventividade.
Pertence à coletânea o célebre poema "Papyrus" (Spring...../Too long..../Gongula....), cuja estranheza ainda levaria Robert Graves a atacá-lo como charlatanice modernista -o texto era uma reconfiguração de resíduos de um fragmento de Safo.
Uma poesia complexa como a de Pound requer grande empenho para a tradução, evidente nesse trabalho.
Faltam, nos comentários, referências à tarefa ou às concepções que a orientaram; mas dá para ver que a recriação dos textos (considerados em sua dimensão estética) é a perspectiva do tradutor.
Difícil é depreender dos resultados, contudo, uma coerência de procedimentos: a adoção de algumas (e não outras) correspondências formais parece, em parte, apenas arbitrária.
Assim parecem, também, certas opções sintáticas, como as eventuais supressões de termos (por exemplo, "Um regato entre os juncos tuas mãos sobre mim" para "As a rillet among the sedge are thy hands upon me").
Há desnível entre as faturas, que atingem pontos altos como em "Numa Estação do Metrô": "A aparição destes rostos entre tantos:/ Pétalas num úmido, negro ramo.".
Fonte densa de informação e de forte poesia, esse volume ilustra, ademais, o labor perseverante e ousado que é a tradução poética.

O poeta MARCELO TÁPIA é diretor da Casa Guilherme de Almeida.

LUSTRA
AUTOR Ezra Pound
TRADUÇÃO Dirceu Villa
EDITORA Demônio Negro
QUANTO R$ 80 (362 págs.)
AVALIAÇÃO bom




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