|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Lua-de-mel com a palavra
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
Arnaldo Jabor encarna, melhor
do que ninguém, um paradoxo do
cinema brasileiro: essa estranha
entidade é capaz de gerar prestígio,
mas não de ter prestígio.
O Jabor desiludido que topou
trocar o cinema pelo jornalismo
no início dos anos 90 é o mesmo
que levou, quando muito, três semanas para se tornar uma estrela
jornalística. Algum tempo depois
levou esse prestígio para o jornal
das oito da Rede Globo.
Não seria difícil acontecer a mesma coisa com Cacá Diegues, que
escreve muito bem e é um frasista
agudo, por exemplo. Antonio Calmon, que nem chegou a ser diretor
"de prestígio", tornou-se desenvolto autor de textos de ficção da
própria Globo.
No fim dos anos 70, por aí, Glauber Rocha intervinha semanalmente no programa "Abertura".
Seu quadro era uma paixão nacional. Assistir "A Idade da Terra",
seu último filme, ninguém queria.
O público chegou a rasgar as cadeiras do Belas Artes, que o exibiu.
Talvez a incursão pelo jornalismo e pela TV tenha sido o atalho
mais curto para Jabor reencontrar
o cinema. Mas as particularidades
desse "détour" expõem demais a
relação turbulenta que o Brasil entretém com suas imagens para não
chamar a atenção.
Não deixa de ser sintomático que
Jabor tenha se iniciado no cinema
colocando em questão o conceito
de "opinião pública", em 1967,
no filme do mesmo nome: a rigor,
uma vasta enquete sobre como se
geram as "idéias feitas".
Também não é um acaso que seu
melhor filme seja "Toda Nudez
Será Castigada" (73), adaptação
da peça de Nelson Rodrigues, tragédia de personagens que se agitam com desespero, que berram,
mas não conseguem encontrar a
verdade em suas palavras.
Mesmo seu último filme -"Eu
Sei que Vou Te Amar", de 1984-
tem como centro uma crise em que
dois amantes falam incessantemente, de maneira obsessiva.
Embora a dialogação excessiva e
desigual comprometa a força do
filme, a questão central da obra parece ser a mesma: a palavra não é
um modo de comunicação, e sim
um vasto mal-entendido.
Nos anos 60 e 70 o cinema aparecia como contraponto a esse
mal-entendido, como se a imagem
buscasse corrigir as palavras. Nos
80, Jabor parecia aceitar a supremacia das palavras, sobre as quais
a imagem já não conseguia exercer
qualquer papel tutelar: ambas chafurdavam no desentendimento.
Nos 90, Jabor tem vivido uma espécie de lua-de-mel com a palavra
e seu poder encantatório. Essa pode ser a experiência que agregará a
seu cinema, se de fato retornar.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|