São Paulo, Sexta-feira, 20 de Agosto de 1999
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TEATRO
Fringe vai até o fim do mês na capital escocesa, reunindo mais de 600 grupos, inclusive dois do Brasil
Edimburgo destaca o novo teatro russo

NELSON DE SÁ
enviado especial a Edimburgo

O Edimburgo Fringe, maior festival de teatro no mundo, já tem os seus primeiros premiados, com destaque para dois espetáculos de São Petersburgo, a capital do novo teatro russo.
A seleção é feita pelo principal jornal da Escócia, "The Scotsman", que reúne todo ano uma dezena de críticos para ver quase todas as peças do Fringe -este ano são mais de 600 grupos diferentes, em três semanas.
Outra seleção, esta informal, foi divulgada pelo jornal londrino "The Guardian", com destaque para a companhia inglesa The Right Size, com "Do You Come Here Often?".
Os dois espetáculos russos são próximos, na forma. Em "Fantasia", até o momento a peça mais marcante do festival, "seis personagens em busca de vento" apresentam quadro sobre quadro sem palavras, com temas distintos.
No primeiro, tentam fazer subir uma pipa -sem vento. A alegoria, que serve para o espetáculo como para a própria existência, passa daí para cenas tiradas do nada, do vento, como no corte de cabelo (todo de frutas) de uma mulher e na apresentação desastrosa de um mágico.
No fim, os seis personagens conseguem, de fato, empinar as pipas sem vento, numa das muitas imagens tocantes da peça. A companhia Farces, de "Fantasia", é o retrato de um novo teatro russo marcado pelo que seu programa chama de "clownade" -de clown ou palhaço em inglês.
A outra peça de São São Petersburgo, "Hopeless Games" ou jogos sem esperança, não é diferente, embora com acento também na chamada "nova dança".
São cinco personagens em longos casacos escuros, carregando velhas malas de viagem, esquecidos numa estação de trem desativada. Imagens que reportam aos horrores do século 20 na Europa oriental, mas que encontram um mundo oculto de paixões, brigas e brincadeira. Perdida num teatro distante do centro de Edimburgo, com apresentações às 23h, "Hopeless Games" é uma das maiores revelações da mostra.
Não se pode descrever assim a dupla inglesa The Right Size. "Do You Come Here Often?" é mais uma na sequência de comédias aclamadas, todas elas "clownescas", de Sean Foley e Hamish McColl -que fizeram os clowns brechtianos de "Sr. Puntila e seu Criado Matti", êxito de público e crítica em 98, em Londres.
Em Edimburgo, agora, interpretam dois homens presos num banheiro e obrigados a conviver por décadas. Os quadros lúdicos, criados como em "Fantasia", a partir do nada, formam um vaudeville minimalista que faz lembrar Samuel Beckett.
Em outra linha inteiramente, dois espetáculos mais tradicionais, um americano, outro inglês, também venceram o Fringe First -como é intitulada a premiação do "Scotsman".
"Nixon's Nixon", de Russel Lees, é uma obra de ficção criada em cima da conversa de horas que o presidente Richard Nixon e seu secretário de Estado, Henry Kissinger, tiveram na noite anterior à renúncia do primeiro, 25 anos atrás. Não há registro oficial do que ambos falaram, e o autor faz do encontro um embate entre os dois personagens históricos -e entre os atores.
Eles trocam agressões, rancores e recriminações, mas também amizade e até piadas: bebendo muito, imitam Mao, Brejnev e outros líderes com os quais decidiram ações como o fim da guerra do Vietnã e a aproximação com a China. O ritmo do texto e das interpretações é violento.
A peça inglesa, intitulada "Car" ou carro, de Chris O'Connel, segue a linha temática de textos como "Shopping and Fucking". Retrata uma juventude londrina de drogas, desesperança e desemprego. O furto de um carro detona acontecimentos que levam à morte dos quatro jovens.
A peça está mais para o drama e não tem a pungência cômica de "Shopping" nem a precisão formal de "The Beauty Queen of Leenane", deixando a sensação de que a nova dramaturgia inglesa já começa a perder fôlego.


O jornalista Nelson de Sá viajou a Edimburgo a convite da Cultura Inglesa


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