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LIVROS/LANÇAMENTOS
"CHILE, 1973 - COMO OS EUA DERRUBARAM ALLENDE"
Patricia Verdugo usou conclusões de relatório americano
Obra revela as entranhas do golpe chileno
NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Our D-Day was close to
perfect." A mensagem de
tudo OK, perto da perfeição, saiu
da "station" da CIA no Chile a 11
de setembro de 1973. D-Day foi a
derrubada de Salvador Allende
(1908-1973).
Patricia Verdugo, que combina
talento jornalístico com coragem
e persistência nas pesquisas, já
nos deu a "Caravana da Morte",
relato memorável de uma das
operações mais sinistras da ditadura de Pinochet, um pelotão de
fuzilamento itinerante, e agora
nos leva a uma incursão nos porões do golpe de 30 anos atrás.
Em "Como os EUA Derrubaram Allende" pontificam dois
manda-chuvas de Washington
tomados pela obsessão de não
permitir uma "experiência de socialismo democrático" na América Latina.
Richard Nixon (1913-1994) decretou como "inaceitável" a eleição de Allende, e Kissinger expedia ordens entre um porão e outro, a CIA, a DIA, o Conselho de
Segurança Nacional, o misterioso
Comitê 40 etc. O Chile será pior
do que Cuba, e Allende não tardará em implantar um regime comunista. Mas Allende ganhou no
voto, argumentavam alguns. Não
se pode aceitar a irresponsabilidade de um povo.
O livro tem lances essenciais de
recuo no tempo. O Chile, com
suas raízes constitucionais, foi o
único país latino-americano a
adotar por meio das urnas, em
1938, o modelo francês de um governo de Frente Popular, com
marcas visíveis de esquerda. O jovem socialista Salvador Allende,
médico sanitarista, ocupou o Ministério da Saúde.
Bolívar disse que, "se a democracia sobreviver num único país
em nosso continente, esse país será o Chile". Como foi possível arregimentar militares para um golpe brutal numa nação de tão arraigadas tradições legalistas? O
Chile não escapou da Guerra Fria,
lembra Verdugo.
A Lei de Defesa da Democracia,
promulgada depois da Segunda
Guerra, transformou a ilha de Piságua num campo de concentração, onde gente de esquerda (comunistas, socialistas etc.) comeu
o pão que o diabo amassou. Para
escapar, Pablo Neruda teve de se
exilar.
Depois de passar quase despercebido como candidato presidencial em duas eleições, nas de 64
Allende tornou-se "preocupação"
em Washington como um "marxista declarado" capaz de conseguir maioria. A operação Chile
começou com ajuda aos democrata-cristãos de Eduardo Frei e à
sua "revolução em liberdade".
Ganhou Frei, mas Allende voltou em 70 (os mandatos no Chile
são de seis anos) com um detalhe
destacado por Verdugo. Juntou as
esquerdas numa Unidade Popular e a possibilidade de vitória ficou sendo real.
O Comitê Church, do Congresso americano, examinou as "operações encobertas" no Chile de
1963, início de uma primeira etapa, a 1975, fim de uma segunda,
quando surgem em cheio as mãos
pesadas de Kissinger e Nixon.
Verdugo usou bastante conclusões do relatório Church, uma
fonte americana, além de entrevistas, depoimentos etc. Um episódio crucial foi o assassinato do
comandante do Exército chileno,
general René Schneider, às vésperas da decisão do Congresso.
Como não teve maioria absoluta, Allende precisava de aprovação parlamentar. A chamada
Doutrina Schneider mandava que
os militares não se metessem em
política. Schneider teria de ser eliminado. Foi baleado por um grupo com armas chegadas em maleta diplomática. Morreu e a comoção provocada acabou favorecendo Allende.
Na versão dos assassinos, libertados pela ditadura, seria só sequestro. Verdugo sugere que foi
assassinato mesmo. Em 2001 a família Schneider abriu um processo contra Kissinger nos Estados
Unidos. "Negócio sujo, imundo",
disse um ex-adido militar americano em Santiago.
Ele se dispôs a depor contra Kissinger em troca de imunidade.
Allende estava só havia dois dias
na Presidência quando começaram reuniões de emergência do
Conselho de Segurança Nacional
em Washington. Como introdução ao golpe, era preciso fazer a
economia chilena "urrar de dor".
Multinacionais ajudariam a fechar o cerco.
Allende, revela Verdugo, iria
convocar um plebiscito a 11 de setembro. "O povo que decida", dizia. Sabia havia muito tempo que
estava na alça de mira, mas pouco
antes fora tranquilizado pelo general Pinochet, comandante do
Exército. Golpe pelo menos não
haveria. Palavra de Pinochet.
Newton Carlos é jornalista, autor de
"Bush e a Doutrina das Guerras sem Fim"
Chile, 1973 - Como os EUA Derrubaram Allende
Autora: Patricia Verdugo
Tradução: Claudia Furiati
Editora: Revan
Quanto: R$ 20 (148 págs.)
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