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São Paulo, sábado, 20 de setembro de 2003

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LIVROS/LANÇAMENTOS

"CHILE, 1973 - COMO OS EUA DERRUBARAM ALLENDE"

Patricia Verdugo usou conclusões de relatório americano

Obra revela as entranhas do golpe chileno

NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Our D-Day was close to perfect." A mensagem de tudo OK, perto da perfeição, saiu da "station" da CIA no Chile a 11 de setembro de 1973. D-Day foi a derrubada de Salvador Allende (1908-1973).
Patricia Verdugo, que combina talento jornalístico com coragem e persistência nas pesquisas, já nos deu a "Caravana da Morte", relato memorável de uma das operações mais sinistras da ditadura de Pinochet, um pelotão de fuzilamento itinerante, e agora nos leva a uma incursão nos porões do golpe de 30 anos atrás.
Em "Como os EUA Derrubaram Allende" pontificam dois manda-chuvas de Washington tomados pela obsessão de não permitir uma "experiência de socialismo democrático" na América Latina.
Richard Nixon (1913-1994) decretou como "inaceitável" a eleição de Allende, e Kissinger expedia ordens entre um porão e outro, a CIA, a DIA, o Conselho de Segurança Nacional, o misterioso Comitê 40 etc. O Chile será pior do que Cuba, e Allende não tardará em implantar um regime comunista. Mas Allende ganhou no voto, argumentavam alguns. Não se pode aceitar a irresponsabilidade de um povo.
O livro tem lances essenciais de recuo no tempo. O Chile, com suas raízes constitucionais, foi o único país latino-americano a adotar por meio das urnas, em 1938, o modelo francês de um governo de Frente Popular, com marcas visíveis de esquerda. O jovem socialista Salvador Allende, médico sanitarista, ocupou o Ministério da Saúde.
Bolívar disse que, "se a democracia sobreviver num único país em nosso continente, esse país será o Chile". Como foi possível arregimentar militares para um golpe brutal numa nação de tão arraigadas tradições legalistas? O Chile não escapou da Guerra Fria, lembra Verdugo.
A Lei de Defesa da Democracia, promulgada depois da Segunda Guerra, transformou a ilha de Piságua num campo de concentração, onde gente de esquerda (comunistas, socialistas etc.) comeu o pão que o diabo amassou. Para escapar, Pablo Neruda teve de se exilar.
Depois de passar quase despercebido como candidato presidencial em duas eleições, nas de 64 Allende tornou-se "preocupação" em Washington como um "marxista declarado" capaz de conseguir maioria. A operação Chile começou com ajuda aos democrata-cristãos de Eduardo Frei e à sua "revolução em liberdade".
Ganhou Frei, mas Allende voltou em 70 (os mandatos no Chile são de seis anos) com um detalhe destacado por Verdugo. Juntou as esquerdas numa Unidade Popular e a possibilidade de vitória ficou sendo real.
O Comitê Church, do Congresso americano, examinou as "operações encobertas" no Chile de 1963, início de uma primeira etapa, a 1975, fim de uma segunda, quando surgem em cheio as mãos pesadas de Kissinger e Nixon.
Verdugo usou bastante conclusões do relatório Church, uma fonte americana, além de entrevistas, depoimentos etc. Um episódio crucial foi o assassinato do comandante do Exército chileno, general René Schneider, às vésperas da decisão do Congresso.
Como não teve maioria absoluta, Allende precisava de aprovação parlamentar. A chamada Doutrina Schneider mandava que os militares não se metessem em política. Schneider teria de ser eliminado. Foi baleado por um grupo com armas chegadas em maleta diplomática. Morreu e a comoção provocada acabou favorecendo Allende.
Na versão dos assassinos, libertados pela ditadura, seria só sequestro. Verdugo sugere que foi assassinato mesmo. Em 2001 a família Schneider abriu um processo contra Kissinger nos Estados Unidos. "Negócio sujo, imundo", disse um ex-adido militar americano em Santiago.
Ele se dispôs a depor contra Kissinger em troca de imunidade. Allende estava só havia dois dias na Presidência quando começaram reuniões de emergência do Conselho de Segurança Nacional em Washington. Como introdução ao golpe, era preciso fazer a economia chilena "urrar de dor". Multinacionais ajudariam a fechar o cerco.
Allende, revela Verdugo, iria convocar um plebiscito a 11 de setembro. "O povo que decida", dizia. Sabia havia muito tempo que estava na alça de mira, mas pouco antes fora tranquilizado pelo general Pinochet, comandante do Exército. Golpe pelo menos não haveria. Palavra de Pinochet.


Newton Carlos é jornalista, autor de "Bush e a Doutrina das Guerras sem Fim"

Chile, 1973 - Como os EUA Derrubaram Allende    
Autora: Patricia Verdugo
Tradução: Claudia Furiati
Editora: Revan
Quanto: R$ 20 (148 págs.)


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