|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"ELES MUDARAM A IMPRENSA"
Série de entrevistas relata história da mídia
NICOLAU SEVCENKO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Esses três pesquisadores produziram um livro fascinante.
Focados na cabine de comando
dos mais importantes órgãos de
imprensa no período 1970-80, eles
os apresentam como protagonistas das grandes mudanças em
curso no país, naqueles momentos decisivos, ao mesmo tempo
em que examinam as intensas
metamorfoses pelas quais esses
periódicos passavam internamente.
Para isso, interpelaram os próprios timoneiros desses veículos
de comunicação, através de entrevistas ao longo das quais eles vão
revelando desde suas trajetórias
pessoais, até seus projetos de percurso, os obstáculos com que se
confrontaram e as metas que
cumpriram.
A ênfase dos depoimentos recai,
claro, sobre o desafio dos tempos
tormentosos, os riscos de mares
desconhecidos, os motins, os desvios de rota, a piratagem e o horror das calmarias, quando tudo fica plano, chato e vão, sem os ventos da aventura ou as correntes da
imaginação.
Os três pesquisadores em questão são Alzira Alves de Abreu,
Fernando Lattman-Weltman e
Dora Rocha, ligados ao Centro de
Pesquisa e Documentação
(Cpdoc), da Fundação Getúlio
Vargas do Rio de Janeiro, organizadores do volume "Eles Mudaram a Imprensa" (Editora FGV).
Os "condottieri" da imprensa
escolhidos foram Evandro Carlos
de Andrade, encabeçando "O
Globo" e mais tarde também o
jornalismo da TV Globo; Alberto
Dines, responsável pelo "Jornal
do Brasil" e depois articulador do
"Observatório da Imprensa"; Mino Carta, criador sucessivamente
de "Quatro Rodas", "Jornal da
Tarde", "Veja", "Isto É" e "Carta
Capital"; Roberto Müller Filho, o
estrategista da "Gazeta Mercantil"; Augusto Nunes, reformulador de "O Estado de S.Paulo" e do
"Zero Hora" gaúcho e, finalmente, por ser o mais jovem, Otavio
Frias Filho, diretor de Redação da
Folha, que levou adiante as reformas introduzidas no jornal por
Cláudio Abramo.
Como se vê, uma proeza. Que se
traduz, para nós leitores, num autêntico privilégio, o de acompanhar essas criaturas determinadas, submetidas a tensões extremas de diferentes matrizes, tomando decisões e assumindo alternativas em três fronts simultâneos: o ético e político, o jornalístico e o administrativo.
Em nenhuma dessas frentes o
confronto foi mais leve, o que era
acentuado pela atmosfera opressiva desses anos de chumbo e de
radicais transformações tecnológicas, com um impacto forte no
âmbito das comunicações.
Da difusão em massa da televisão, da internet, da telefonia digital, dos satélites estacionários, às
TV a cabo, o jornalismo impresso
tinha que se redefinir num mundo dominado cada vez mais pela
espetaculosidade dos recursos
orais e visuais. Nenhuma aposta
era garantida, nenhum resultado
previsível, nenhuma conquista
permanente.
E no entanto, para a surpresa do
leitor, esses capitães da imprensa
renunciam a qualquer imagem de
heroísmo, seu pessoal ou do jornalismo em geral, insistindo no
caráter coletivo do trabalho, na
pressão excepcional das circunstâncias e na inexorabilidade das
mudanças.
Por mais diferentes que eles sejam, pelas personalidades, pelas
gerações, pela formação, pelos estilos de atuação, esse traço lhes é
comum. Suspeitam de qualquer
concepção salvacionista do jornalismo, suscetível de alimentar a
arrogância de que se tem a posse
da verdade. Enfatizam o papel,
não menos crucial, de instilar a
dúvida, relativizar as posições e
nutrir o diálogo que mantém pulsante o espírito público, mantendo um compromisso abnegado
com a honestidade, a lisura e a
transparência.
Os depoimentos convergem em
admitir que esse é um ideal difícil
de cumprir à risca; mas é o único
pelo qual vale a pena lutar.
O livro não se prende ao período 1970-80, abrangendo desde pelo menos os anos 1950 até hoje.
Nem se limita aos personagens
entrevistados, envolvendo toda
uma plêiade de intelectuais, de Lima Barreto a Cláudio Abramo e
Raymundo Faoro. Dado o impacto inovador que tiveram, sente-se
a falta de capítulos dedicados à revista "Realidade", aos alternativos
e, sobretudo, ao "Pasquim". Prevalece o raio-X de algumas das
mais ousadas aventuras culturais
na história recente do país. E nada
como a história contada por
quem a fez e ainda faz.
Nicolau Sevcenko é professor de história da cultura na USP e autor de, entre
outros, "Orfeu Extático na Metrópole"
(Companhia das Letras)
Eles Mudaram a Imprensa
Autores: Alzira Alves de Abreu,
Fernando Lattman-Weltman, Dora
Rocha (orgs.)
Editora: FGV
Quanto: R$ 44 (400 págs.)
Texto Anterior: Trecho Próximo Texto: "Demonologia": Contos fazem rir com humor "made in America" Índice
|