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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Realpolitik-show
Uma vez no poder, o PT se tornou uma máquina eleitoral conservadora; mas a culpa só pode ser da mídia
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O ENREDO é péssimo e rocambolesco: um político provinciano de uma república sul-americana, ligado a um presidente neoliberal de direita que foi afastado
do cargo por corrupção, ressurge como esteio parlamentar do governo
de um ex-oponente, um sindicalista
que criou um partido supostamente
de esquerda e chegou ao poder prometendo ética e mudanças.
O partido e o governo do ex-sindicalista têm vários de seus membros
julgados por corrupção na corte suprema da referida república, graças
a denúncias de um ex-aliado da direita, que também fora íntimo daquele presidente afastado por corrupção. Para tornar essa sinopse um
pouco mais vulgar, surge na mídia a
história de que o político provinciano do início do enredo, que ocupa a
presidência do Senado, teve uma filha fora do casamento e enviava dinheiro à ex-amante por meio de um
lobista de uma grande empreiteira.
Em meio a todo esse lixo, que alimenta o reality show, ou o realpolitik-show da vida pública brasileira,
insinua-se entre alguns políticos e
intelectuais "de esquerda" a tese de
que tudo, no final das contas, é culpa
da "mídia", que não se conformaria
com a eleição do ex-operário. Diga-se que os acusadores (e também o
presidente) foram (e alguns ainda
são) colunistas dessa mesma mídia
-e a municiaram durante anos com
denúncias contra políticos dos quais
são hoje aliados.
Houve um tempo em que o PT fazia questão de se apresentar como
paladino dos bons costumes republicanos e de se diferenciar daquilo
que seus militantes chamavam de
"política tradicional". Hoje, recebo
e-mails de representantes da burritzia petista (já que a intelligentzia
acabou) reclamando que a "mídia"
não deixa claro que políticos de todos os partidos incorrem em falcatruas, não apenas os governistas.
Mas quem não sabe disso? E não é
exatamente essa a questão? Que,
uma vez no poder, o PT se tornou
uma máquina eleitoral conservadora, passando a se comportar como as
siglas que antes condenava? Que seu
iluminado líder, tão estufado ao se
referir ao presidente George W.
Bush como "amigo", trata suas antigas crenças como bravatas?
Nossos narcisos lulo-petistas não
gostam de ver nas páginas dos jornais escândalos semelhantes àqueles que aconteceram em governos
anteriores. A grande competição, na
realidade, é com a gestão de Fernando Henrique Cardoso, cuja superação os lulistas têm como ponto de
honra. Mas, nessa competição de
mediocridades, ambos, petistas e tucanos, mais parecem ser faces de
uma mesma moeda -a da hegemonia política paulista no Brasil pós-ditadura militar.
Se FHC engatou o Brasil tardiamente no processo de estabilização
das economias periféricas, Lula o vai
engatando, também tardiamente,
no ciclo de crescimento global. Tudo
em ritmo lento. Filme de arte.
Alguém dirá que o governo do
príncipe da moeda foi mais "republicano". Mas ao lembrarmos que FHC
criou uma reeleição para si próprio,
recorrendo ao jogo pesado, como divulgou a mídia (golpista?), essa suposta vantagem revela-se apenas
mais uma quimera.
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