São Paulo, quinta-feira, 20 de setembro de 2007

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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

Realpolitik-show


Uma vez no poder, o PT se tornou uma máquina eleitoral conservadora; mas a culpa só pode ser da mídia

O ENREDO é péssimo e rocambolesco: um político provinciano de uma república sul-americana, ligado a um presidente neoliberal de direita que foi afastado do cargo por corrupção, ressurge como esteio parlamentar do governo de um ex-oponente, um sindicalista que criou um partido supostamente de esquerda e chegou ao poder prometendo ética e mudanças.
O partido e o governo do ex-sindicalista têm vários de seus membros julgados por corrupção na corte suprema da referida república, graças a denúncias de um ex-aliado da direita, que também fora íntimo daquele presidente afastado por corrupção. Para tornar essa sinopse um pouco mais vulgar, surge na mídia a história de que o político provinciano do início do enredo, que ocupa a presidência do Senado, teve uma filha fora do casamento e enviava dinheiro à ex-amante por meio de um lobista de uma grande empreiteira.
Em meio a todo esse lixo, que alimenta o reality show, ou o realpolitik-show da vida pública brasileira, insinua-se entre alguns políticos e intelectuais "de esquerda" a tese de que tudo, no final das contas, é culpa da "mídia", que não se conformaria com a eleição do ex-operário. Diga-se que os acusadores (e também o presidente) foram (e alguns ainda são) colunistas dessa mesma mídia -e a municiaram durante anos com denúncias contra políticos dos quais são hoje aliados.
Houve um tempo em que o PT fazia questão de se apresentar como paladino dos bons costumes republicanos e de se diferenciar daquilo que seus militantes chamavam de "política tradicional". Hoje, recebo e-mails de representantes da burritzia petista (já que a intelligentzia acabou) reclamando que a "mídia" não deixa claro que políticos de todos os partidos incorrem em falcatruas, não apenas os governistas.
Mas quem não sabe disso? E não é exatamente essa a questão? Que, uma vez no poder, o PT se tornou uma máquina eleitoral conservadora, passando a se comportar como as siglas que antes condenava? Que seu iluminado líder, tão estufado ao se referir ao presidente George W. Bush como "amigo", trata suas antigas crenças como bravatas?
Nossos narcisos lulo-petistas não gostam de ver nas páginas dos jornais escândalos semelhantes àqueles que aconteceram em governos anteriores. A grande competição, na realidade, é com a gestão de Fernando Henrique Cardoso, cuja superação os lulistas têm como ponto de honra. Mas, nessa competição de mediocridades, ambos, petistas e tucanos, mais parecem ser faces de uma mesma moeda -a da hegemonia política paulista no Brasil pós-ditadura militar.
Se FHC engatou o Brasil tardiamente no processo de estabilização das economias periféricas, Lula o vai engatando, também tardiamente, no ciclo de crescimento global. Tudo em ritmo lento. Filme de arte.
Alguém dirá que o governo do príncipe da moeda foi mais "republicano". Mas ao lembrarmos que FHC criou uma reeleição para si próprio, recorrendo ao jogo pesado, como divulgou a mídia (golpista?), essa suposta vantagem revela-se apenas mais uma quimera.


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