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Crítica/música
Peyroux faz show gentil, mas não é diva, muito menos do jazz
Cantora, impecável na escolha dos músicos, leva canções até o final, embora dando por vezes sensação de que perdeu o rumo
ZUZA HOMEM DE MELLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Astrud Gilberto conquistou os americanos pela
fragilidade de sua figura simples e com dinâmica vocal moderada, quase invariável,
sem os arroubos e a projeção
fogosa da maioria das cantoras
de lá. De certa forma, o sucesso
incontestável de Madeleine
Peyroux pode ser creditado a
uma repetição desse episódio.
O fato de seu timbre ser parecido com o da emocionante Billie
Holiday é o que menos importa, embora a semelhança tenha
causado o espanto inicial.
Miss Peyroux é a bola da vez,
lotando a vasta platéia do Via
Funchal na última terça-feira,
com entradas que chegavam
perto de US$ 200, algo inimaginável diante das cento e algumas pessoas que a viram quando aqui veio pela primeira vez, poucos anos faz. Agora seu público é sólido, conhece e adora
seu jeito despojado de cantora
de estação de metrô de Paris e
sobretudo o estilo "easy going"
com o qual escolhe o que canta
e decide como canta.
Nessa decisão, miss Peyroux
prefere aproximar-se das canções a defini-las e projetá-las.
Assume o risco dos desavisados
nem terem reconhecido uma
ou outra, mesmo que famosas,
como "Everybody's Talkin'" do
filme "Perdidos na Noite". Essa
insinuação, esse tangenciar a
canção, seu lado mais elegante,
pode ser a chave de seu sucesso
ao conseguir seduzir um público adulto e mais exigente que o
de novas cantoras recentes.
Além disso, miss Peyroux é
impecável na escolha de seus
músicos, sobretudo pianistas/
arranjadores. No momento, o
sucessor do extraordinário Aaron Goldberg é Jim Beard, fundamental no clima com que
embeleza apropriadamente as
baladas e envolvente no embalo com que cria um swing levemente dançante que se aproxima do jazz. Também nisto Madeleine Peyroux se aproxima,
mas não atinge, embora seja até
taxada de diva do jazz. Calma lá.
A não ser que esse diva tenha
outro significado que ainda não
conheço. Quanto a jazz, poderíamos dizer que ela está mais
para folk ou country & western,
a exemplo de sua concorrente
Norah Jones, visivelmente inferior, aliás.
Nas suas interpretações,
miss Peyroux também se aproxima de algumas notas em glissandos freqüentes, o que, se levado ao excesso, perturba -sejamos eufêmicos- o ouvido de
um músico. Mas platéia não é
orquestra. E nem Peyroux se
descontrola. Leva cada canção
até o final, embora tenha dado
por vezes a sensação de que
perdeu totalmente o rumo da
melodia. É gentil e afetuosa. Sabe onde está e para quem canta.
Madeleine Peyroux voltou
mais de uma vez para satisfazer
seu público que pedia "La Vie
en Rose" como segundo bis. O
que é uma canção imortal,
hein? Piaff sabia-o bem e carimbou "forever". E o que é
uma música na novela da televisão brasileira, hein? Como as
nossas cantoras, agora Peyroux
também já sabe.
MADELEINE PEYROUX
Avaliação: bom
ZUZA HOMEM DE MELLO é historiador e crítico
musical.
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