São Paulo, quinta-feira, 20 de setembro de 2007

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Crítica/música

Peyroux faz show gentil, mas não é diva, muito menos do jazz

Cantora, impecável na escolha dos músicos, leva canções até o final, embora dando por vezes sensação de que perdeu o rumo

ZUZA HOMEM DE MELLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Astrud Gilberto conquistou os americanos pela fragilidade de sua figura simples e com dinâmica vocal moderada, quase invariável, sem os arroubos e a projeção fogosa da maioria das cantoras de lá. De certa forma, o sucesso incontestável de Madeleine Peyroux pode ser creditado a uma repetição desse episódio.
O fato de seu timbre ser parecido com o da emocionante Billie Holiday é o que menos importa, embora a semelhança tenha causado o espanto inicial.
Miss Peyroux é a bola da vez, lotando a vasta platéia do Via Funchal na última terça-feira, com entradas que chegavam perto de US$ 200, algo inimaginável diante das cento e algumas pessoas que a viram quando aqui veio pela primeira vez, poucos anos faz. Agora seu público é sólido, conhece e adora seu jeito despojado de cantora de estação de metrô de Paris e sobretudo o estilo "easy going" com o qual escolhe o que canta e decide como canta.
Nessa decisão, miss Peyroux prefere aproximar-se das canções a defini-las e projetá-las.
Assume o risco dos desavisados nem terem reconhecido uma ou outra, mesmo que famosas, como "Everybody's Talkin'" do filme "Perdidos na Noite". Essa insinuação, esse tangenciar a canção, seu lado mais elegante, pode ser a chave de seu sucesso ao conseguir seduzir um público adulto e mais exigente que o de novas cantoras recentes.
Além disso, miss Peyroux é impecável na escolha de seus músicos, sobretudo pianistas/ arranjadores. No momento, o sucessor do extraordinário Aaron Goldberg é Jim Beard, fundamental no clima com que embeleza apropriadamente as baladas e envolvente no embalo com que cria um swing levemente dançante que se aproxima do jazz. Também nisto Madeleine Peyroux se aproxima, mas não atinge, embora seja até taxada de diva do jazz. Calma lá.
A não ser que esse diva tenha outro significado que ainda não conheço. Quanto a jazz, poderíamos dizer que ela está mais para folk ou country & western, a exemplo de sua concorrente Norah Jones, visivelmente inferior, aliás.
Nas suas interpretações, miss Peyroux também se aproxima de algumas notas em glissandos freqüentes, o que, se levado ao excesso, perturba -sejamos eufêmicos- o ouvido de um músico. Mas platéia não é orquestra. E nem Peyroux se descontrola. Leva cada canção até o final, embora tenha dado por vezes a sensação de que perdeu totalmente o rumo da melodia. É gentil e afetuosa. Sabe onde está e para quem canta.
Madeleine Peyroux voltou mais de uma vez para satisfazer seu público que pedia "La Vie en Rose" como segundo bis. O que é uma canção imortal, hein? Piaff sabia-o bem e carimbou "forever". E o que é uma música na novela da televisão brasileira, hein? Como as nossas cantoras, agora Peyroux também já sabe.


MADELEINE PEYROUX
Avaliação:
bom

ZUZA HOMEM DE MELLO é historiador e crítico musical.


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