São Paulo, Quarta-feira, 20 de Outubro de 1999
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MOSTRA DE SP
Corra ao cinema que a Lola vem aí

Reprodução
Lola corre pelas ruas de Berlim com a missão de levantar 100 mil marcos em 20 minutos para salvar a pele do namorado



O energético filme independente alemão é a grande atração de hoje


LÚCIO RIBEIRO
Editor-adjunto da Ilustrada

A Alemanha é vista hoje através do espelho cinematográfico da Mostra de SP. E o que se experimenta, sentado na cadeira do Maksoud Plaza, é a alucinante e badalada produção "Corra Lola Corra" ("Run Lola Run"), o melhor filme germânico de ação de que se tem notícia.
De tirar o fôlego, moderno no visual e de inventiva estrutura narrativa, "Corra Lola Corra" construiu sólida carreira neste ano, em festivais mundo afora, até aterrissar impávido nas bilheterias americanas.
Se 1999 pode ser considerado o ano em que o cinema independente deu um nó na cabeça dos executivos hollywoodianos, uma parte da culpa disso pode ser atribuída a "Corra Lola Corra" (e em grande parte ao fenômeno "A Bruxa de Blair" e, numa porção menor, ao documentário sobre música cubana "Buena Vista Social Club", de Win Wenders).
De um custo estimado em US$ 2 milhões, "Corra Lola Corra" arrecadou US$ 14 milhões só na Alemanha. Dos americanos, embolsou US$ 100 mil no final de semana de estréia, em junho último, quando ocupou míseras cinco salas dos EUA. Duas semanas depois, já ultrapassava -e muito- o US$ 1 milhão.
Liderou por semanas as bilheterias do chamado circuito de arte e até hoje mantém a boa média de faturamento de US$ 10 mil por tela (está em 70 salas), valor significativo para um filme que nem é falado em inglês.
Dirigido pelo jovem cineasta Tom Tykwer (que ainda fez o roteiro, produziu e compôs a excelente trilha de música eletrônica) e estrelado pela energética Franka Potente (eles namoram), "Corra Lola Corra" são vários filmes em um só.
É o "Romeu e Julieta" da nação techno, o "Feitiço do Tempo" cibernético, o "Alice no País das Maravilhas" da geração Y, "Bonnie & Clyde" filmado em Berlim, "O Fugitivo" depois que Harrison Ford tomou Ecstasy.
O filme é alemão, mas na verdade fala várias línguas: a do cinema, vídeo, música, fotografia e animação, tudo ao mesmo tempo.
É um ótimo videoclipe de 81 minutos. Um excelente anúncio publicitário versão "extended".
"Corra Lola Corra" é videogame: sua atriz principal, a Lola, encarna a mais bem acabada versão da musa virtual Lara Croft. Ver o filme equivale a estar com um joystick na mão, jogando algum dos mais animados games do Playstation.
A história do filme é muito boa, e o modo como ela é contada, melhor ainda.
Mix originalíssimo de romance e ação, o filme começa contando a enrascada em que se mete o rapagão Manni (Moritz Bleibtreu), uma espécie de office boy de mafiosos que ganha a vida circulando por Berlim, levando e trazendo a grana suja de gângsteres.
Como praticamente todos os dias, no final do "expediente" Manni espera pela namorada punk-clubber de cabelo laranja, Lola, que vai buscá-lo de moto no local de trabalho.
Mas vai ter um dia em que Lola não aparece para pegá-lo. E aquele dia vai ser bem diferente dos outros.
Sem a carona, Manni resolve pegar o metrô, de posse de uma sacola com 100 mil marcos dentro, dinheirama suja que equivale a para lá de R$ 110 mil.
Coisas acontecem, e Manni acaba saindo do metrô na correria. Só que esquece -tchan-tchan!- a sacola com a grana do chefão dentro do trem, que parte, impiedoso, com o rapaz do lado de fora.
Desgraça pouca, Manni tem um encontro com seu "big boss" em 20 minutos, para lhe entregar o dinheiro (que dinheiro?).
Desesperado, Manni telefona para Lola. O plano insano de Manni: assaltar um supermercado em frente ao orelhão para levantar o dinheiro perdido. O plano insano de Lola: sair em disparada do seu apartamento e ganhar a rua, para tentar, de qualquer maneira, arrumar a quantia e salvar a pele do namorado, antes que ele faça uma besteira.
Só que Lola tem 20 minutos para realizar o feito. Corre, Lola.
Lola corre. E na rua, na calçada, em prédios, enfrenta situações distintas. Passa por um mendigo, encontra um sujeito estranho em uma bicicleta, uma mulher com bebê, um grupo de freiras, enfrenta trânsito, procura o pai. E um relógio aparece na tela, mostrando o tempo se esvaindo.
E essa história da correria de Lola é contada três vezes. A cada vez, com pequenas diferenças, que alteram completamente o destino de todos os que cruzaram o caminho da garota. E que afetam também -e principalmente- o final da história de Manni e Lola.
"Corra Lola Corra" é um exercício de estilo. Um filme sobre si mesmo. Subverte as histórias lineares tradicionais dos últimos bons filmes de ação de Hollywood, que empregam a correria como atrativo ("O Fugitivo" e "Velocidade Máxima" vêm à mente).
E a velha história: custou bem menos. E nem é americano. E nem tem estrelas.
Filmes independentes como "Corra Lola Corra" e "A Bruxa de Blair" vieram para chacoalhar o planeta cinematográfico com idéias arejadas e energia nova. E estão fazendo história.
Altere seu destino hoje. A Mostra exibe "Corra Lola Corra". Vá correndo ver.


Avaliação:     


Filme: Corra Lola Corra Direção: Tom Tykwer Produção: Alemanha, 1998, 81 min Quando: hoje, às 23h, no Maksoud Outras exibições na mostra: dias 22, 23 e 26 de outubro


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