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LIVROS/LANÇAMENTOS
Autora colombiana recria universo de prostituição na zona petroleira do país durante os anos 50
Restrepo leva Jorge Amado à Colômbia
SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA
A fotografia de uma prostituta
que viveu nos anos 40 e 50 na região petroleira colombiana de
Barrancabermeja ficou pregada
ao computador de Laura Restrepo, 53, durante todo o tempo em
que a autora passou escrevendo
"A Noiva Escura". De olhar misterioso, olhos puxados e cabelos
desgrenhados, a moça era de uma
beleza fora do comum, "mas trazia nos traços do rosto um sinal
trágico que a transformaria antes
em um mito do que em uma lembrança", diz Restrepo à Folha.
A partir da imagem, e de uma
larga pesquisa entre prostitutas e
petroleiros que vivem hoje na região -agora palco dos conflitos
entre grupos guerrilheiros e o
Exército da Colômbia-, Restrepo construiu um romance com
linguagem jornalística. "A Noiva
Escura" mistura depoimentos fictícios baseados nas histórias reais
que coletou com uma história de
amor criada por ela mesma.
Restrepo é uma das escritoras
mais importantes da Colômbia e
também militante. Em 1984, a
convite do então presidente colombiano Belisario Betancur, integrou uma comissão de paz que
tentou estabelecer diálogo entre
guerrilheiros e governo.
Em "A Noiva Escura" acompanhamos a história de Sayonara.
Menina meio índia meio branca,
ela chegou a Tora (nome antigo
de Barrancabermeja) ainda adolescente. "Quero ser puta", apresentou-se. Introduzida então a
Todos los Santos, dona de um dos
bordéis mais importantes da zona
do meretrício local, Sayonara foi
iniciada na profissão. Virou mito
por sua beleza, pelos corações
partidos que deixou e pelo ar um
tanto desinteressado que deitava
às coisas mundanas.
Restrepo vê a prostituição da
época envolta em certo glamour.
Para reconstruir esse universo,
baseou-se em Jorge Amado (1912-2001) e recheou a narrativa com
referências a prostitutas célebres
da literatura. Muitas personagens
femininas são homenageadas, da
Tereza Batista de Amado à Moll
Flanders de Daniel Defoe.
Leia os principais trechos da entrevista que Restrepo deu, por telefone, de Bogotá.
Folha - Como você realizou a investigação?
Laura Restrepo - Estive um ano
na cidade petroleira de Barrancabermeja. Muitas informações no
livro são verdadeiras, como os relatos sobre a famosa greve do arroz [que levantou os petroleiros
contra os proprietários americanos da Tropical Oil Company]. Li
muito do que se noticiou à época,
falei com muitas prostitutas e
com muitos petroleiros. A foto da
mulher que inspirou Sayonara
existe e a tenho ainda comigo.
Folha - Como é essa foto?
Restrepo - Trata-se de uma mulher muito bela, mas, sempre que
a olhava de perto, distinguia algo
de trágico em seu rosto. Entendi
que, nesse meio social em que ela
viveu, ser tão maravilhosa deve
ter sido um imenso problema.
Era evidente que essa mulher tinha vivido muito e deixado muitas histórias, que recolhi como
pude. Mas muitas coisas sobre ela
eu não consegui descobrir. Por isso decidi que, no livro, ela não
apareceria de uma outra forma
que não fosse por meio dos relatos e das lembranças das pessoas.
Folha - Todos los Santos existiu?
Restrepo - Aquele era um mundo de homens e mulheres sozinhos. Entre eles se estabelecia
uma relação que não tinha nada a
ver com o matrimônio.
Uma das características daquele
tipo de prostituição dos anos 50
era que não havia uma figura
masculina que explorava as prostitutas. Havia sim matronas que
ensinavam às mais jovens não só
a profissão, mas também a virarem seres humanos. Todos los
Santos é um compêndio de todas
essas mulheres que conheci lá.
Folha - O livro é algo nostálgico e
até romântico com relação ao tema
da prostituição. Você recebeu algum tipo de represália por isso?
Restrepo - Eu não queria fazer
uma apologia nem mostrar que
aquela era uma vida fácil, mas
também queria fazer um livro livre de estigmas. E nisso Jorge
Amado serviu-me como mestre.
Sempre pensei que na literatura
latino-americana não existem
mulheres tão livres como as que
criou. O que encontrei na região
correspondia justamente ao clima
que ele descreve em seus livros.
Tenho tido sim discussões com
feministas, que não entendem como posso ter feito um livro que
pode ser lido como uma celebração à prostituição. Mas elas colocam a discussão num plano que
não me interessa, e sempre lhes
digo que a dignidade não vem do
ofício que alguém escolhe.
Folha - Como é esse mundo hoje?
Restrepo - O mundo petroleiro
existe, e Barrancabermeja está
atualmente no centro da guerra. É
o local onde o conflito está mais
vivo e a guerrilha é muito atuante.
Já não há mais a Tropical Oil
Company, mas sim seus sobreviventes. E a conexão entre os dois
cenários, o dos bairros das prostitutas e dos campos petroleiros, está ainda na lembrança de todos.
A NOIVA ESCURA. Autora: Laura
Restrepo. Editora: Companhia das Letras.
Quanto: R$ 45 (399 págs.).
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