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LIVRO
Patrocínio Filho "romanceia" sua vida no cárcere
ANTONIO ARRUDA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
"Convém esclarecer, por
consequência, se eu sou
um doido ou um canalha -pois
de uma forma ou de outra apresentou-me a lenda que se formou
em torno do meu nome. Da simples enunciação dos fatos, é provável que surja uma figura menos
curiosa e mais verídica."
O jornalista e diplomata brasileiro José do Patrocínio Filho
(1885-1929), autor da frase, talvez
não tenha atingido o objetivo pretendido na afirmação: ele, como
personagem do relato autobiográfico "A Sinistra Aventura - Reminiscências das Prisões Inglesas", não só surge como uma figura extremamente curiosa, mas como personagem cuja veracidade
parece abalável quando o leitor
passa a conhecer o inusitado e
tortuoso enredo da história.
Publicado pela primeira vez em
1927 por Benjamin Costallat &
Miccolis e com capa de Di Cavalcanti (primo de Patrocínio Filho),
o relato dos anos de cárcere de Patrocínio Filho (que também escreveu "O Homem que Passa", de
1927, e "Mundo, Diabo, Carne",
de 1923) teve seus 3.000 exemplares esgotados em três meses.
No ano de 1917, exatamente no
dia em que se comemora a Independência do Brasil, Patrocínio
Filho estava diante do chefe do
serviço interior de contra-espionagem da Inglaterra.
"Exausto, imundo e lamentável", como conta, estava prestes a
ter de dar explicações sobre suas
ligações com o serviço de espionagem da Alemanha. Como provas para a acusação, a New Scotland Yard tinha um suspeito passaporte esquecido por Patrocínio
Filho em uma gaveta e uma carta
escrita durante a viagem que fazia
da Holanda para a Inglaterra, de
onde tentaria justamente retornar
ao Brasil.
Mas o retorno deu-se somente
com o fim da Primeira Guerra
Mundial. Daquele Dia da Independência do Brasil até o final de
1918, Patrocínio Filho ficou detido
em presídios britânicos, condenado por suspeita de espionagem. E,
por mais que o cenário da sua sinistra aventura seja propício a
uma narrativa calcada em uma
realidade crua e cortante, a principal característica do narrador é tecer, mais do que os seus próprios
sofrimentos, as histórias de outros presos que ele colheu nesse
período.
Assim, entre momentos nos
quais evidencia, em tom muitas
vezes apelativo, um desespero
atroz -como quando diz: "Senti
que ia gritar, debater-me, caindo
entres os bancos, mordendo o assoalho"-, Patrocínio Filho conta
pequenas historietas, tão instigadoras quando a sua.
Como a do russo Tchicharine,
nomeado (apesar de detido em
uma prisão inglesa) embaixador
dos sovietes junto à "Graciosa
Majestade Britânica", como diz o
autor. Ou a do corcunda Kerahn,
líder sindicalista inglês, fotógrafo
preso por atuar como "agente
perturbador assalariado pelo kaiser". Destacam-se, ainda, a história de d. Carlos Kun de la Escosura, espanhol preso por prestar serviços como propagandista no governo do kaiser, e a do indiano Sagar-Shand, príncipe ao qual Patrocínio Filho denominou "amorável" e de coração como o de
"outro príncipe sobrenatural",
Buda.
Paixão
Mas a história de maior destaque na narrativa (e a contada com
maior poeticidade) é justamente
aquela que sedimenta, não por
acaso, a atmosfera "romanceada"
do livro: o relacionamento amoroso que Patrocínio Filho teve
com a bailarina e espiã Mata Hari,
que surge no livro como lembrança do narrador após ele saber, por
meio de seus companheiros de
cela, que sua antiga paixão havia
sido executada em 1917.
Apesar do rico material romanesco (a trama cheia de reviravoltas, a vida de personagens marcados por situações kafkianas), a
narrativa de Patrocínio Filho derrapa justamente quando tenta adquirir ares de romance literariamente bem estruturado.
E, ainda que na introdução do
livro o autor diga que "há no gênero obras muito melhores", como "The Ballad of Reading Gaol",
de Oscar Wilde, mesmo assim parece que ele tentou imprimir uma
atmosfera aos moldes de um Dostoiévski (outro autor citado por
Patrocínio) à sua narrativa -intenção que acabou por fragilizar o
que sua obra tem de melhor: uma
narrativa simples, que beira a crônica, realizada por um jornalista
observador e sensível.
A Sinistra Aventura -
Reminiscências das Prisões
Inglesas
Autor: José do Patrocínio Filho
Editora: Labortexto Editorial
Quanto: R$ 24 (164 págs.)
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