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Crítica/"O Fundamentalista Relutante"
Tensão entre paquistaneses e americanos move relato irônico
De início uma parábola sobre o mundo corporativo, livro foi reescrito após o 11/9
PAULO DANIEL FARAH
ESPECIAL PARA A FOLHA
O monólogo de um jovem paquistanês que
narra sua trajetória a
um desconhecido norte-americano que encontra na cidade
fronteiriça de Lahore serve de
pano de fundo para o segundo
romance de Mohsin Hamid, finalista do último Man Booker
Prize -entregue na última terça-feira à irlandesa Anne
Enright.
Em "O Fundamentalista Relutante", a voz do norte-americano apenas se entreouve, filtrada pela interpretação do
protagonista, em impressões
difusas que funcionam como
concordância ou contraponto
aos argumentos expostos.
O monólogo confere à obra
um caráter memorialístico e
confessional em que prevalece
a ironia. Sobre o odor do jasmim, diz-se: "É realmente notável como nós, seres humanos,
somos capazes de nos deleitar
com o chamado de acasalamento de uma flor, ao mesmo tempo que nos cercamos das carcaças chamuscadas de outros animais -mas, afinal, somos criaturas admiráveis".
Hamid começou a escrever
este romance em 2000, em
princípio como a parábola de
um paquistanês descontente
com o mundo corporativo norte-americano. Ao que relata,
quando seu agente literário leu
os primeiros esboços, considerou o protagonista pouco convincente e o questionou sobre
por que um muçulmano haveria de sentir animosidade em
relação a Washington.
Os atentados do 11/9 e os
eventos posteriores intensificaram a complexidade desse
questionamento, implicaram a
reescritura do romance e tornaram-se seu "leitmotiv".
Hostilidade
Tal como o autor, o protagonista estuda em Princeton e
tem um início de carreira como
consultor de empresas. Encontra-se em Manila, nas Filipinas,
fazendo as malas para retornar
aos Estados Unidos após um
trabalho bem-sucedido quando
vê na televisão o que acontecia
em Nova York.
De alguém que tinha a sensação de mesclar-se a outras pessoas de forma imperceptível no
ambiente nova-iorquino e que
tenta inicialmente proteger-se
por uma "armadura de negação", o protagonista passa a ser
hostilizado e submetido a
agressões verbais por estranhos, sobretudo quando decide
deixar a barba crescer após
uma visita ao Paquistão.
Advertências de um conhecido sobre os limites do coleguismo empresarial e a hostilidade
crescente não o fazem mudar
de idéia. Ao mesmo tempo, suas
tentativas de relacionar-se com
uma americana que não se desvencilha da lembrança do namorado morto e vive no passado revelam-se infrutíferas. A
personagem é recordada ao
longo do romance em toda palavra que contenha seu nome
-AmErica, perifErica etc.
O rito de passagem do protagonista o leva a ver-se como um
janízaro moderno em um país
que invadia um Estado de seu
continente natal, o Afeganistão. Assim, decide abandonar
um projeto em Valparaíso, no
Chile, para retornar a Nova
York, apesar da certeza de que
perderia o emprego e a possibilidade de permanecer nos Estados Unidos. Só lhe resta retornar ao Paquistão, em meio à
crise nuclear com a Índia.
"Nas histórias que contamos
de nós mesmos, não somos os
radicais enlouquecidos e indigentes que o senhor vê em seus
canais de televisão, mas fomos
santos e poetas", argumenta
sem conformismo o jovem paquistanês ante a incompreensão e o temor que se intensificam e tensionam toda a obra.
PAULO DANIEL FARAH é professor na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
USP
O FUNDAMENTALISTA RELUTANTE
Autor: Mohsin Hamid
Tradução: Vera Ribeiro
Editora: Objetiva/Alfaguara
Quanto: R$ 29,90 (176 págs.)
Avaliação: bom
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