São Paulo, sábado, 20 de outubro de 2007

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Crítica/"O Fundamentalista Relutante"

Tensão entre paquistaneses e americanos move relato irônico

De início uma parábola sobre o mundo corporativo, livro foi reescrito após o 11/9

PAULO DANIEL FARAH
ESPECIAL PARA A FOLHA

O monólogo de um jovem paquistanês que narra sua trajetória a um desconhecido norte-americano que encontra na cidade fronteiriça de Lahore serve de pano de fundo para o segundo romance de Mohsin Hamid, finalista do último Man Booker Prize -entregue na última terça-feira à irlandesa Anne Enright.
Em "O Fundamentalista Relutante", a voz do norte-americano apenas se entreouve, filtrada pela interpretação do protagonista, em impressões difusas que funcionam como concordância ou contraponto aos argumentos expostos.
O monólogo confere à obra um caráter memorialístico e confessional em que prevalece a ironia. Sobre o odor do jasmim, diz-se: "É realmente notável como nós, seres humanos, somos capazes de nos deleitar com o chamado de acasalamento de uma flor, ao mesmo tempo que nos cercamos das carcaças chamuscadas de outros animais -mas, afinal, somos criaturas admiráveis".
Hamid começou a escrever este romance em 2000, em princípio como a parábola de um paquistanês descontente com o mundo corporativo norte-americano. Ao que relata, quando seu agente literário leu os primeiros esboços, considerou o protagonista pouco convincente e o questionou sobre por que um muçulmano haveria de sentir animosidade em relação a Washington.
Os atentados do 11/9 e os eventos posteriores intensificaram a complexidade desse questionamento, implicaram a reescritura do romance e tornaram-se seu "leitmotiv".

Hostilidade
Tal como o autor, o protagonista estuda em Princeton e tem um início de carreira como consultor de empresas. Encontra-se em Manila, nas Filipinas, fazendo as malas para retornar aos Estados Unidos após um trabalho bem-sucedido quando vê na televisão o que acontecia em Nova York.
De alguém que tinha a sensação de mesclar-se a outras pessoas de forma imperceptível no ambiente nova-iorquino e que tenta inicialmente proteger-se por uma "armadura de negação", o protagonista passa a ser hostilizado e submetido a agressões verbais por estranhos, sobretudo quando decide deixar a barba crescer após uma visita ao Paquistão. Advertências de um conhecido sobre os limites do coleguismo empresarial e a hostilidade crescente não o fazem mudar de idéia. Ao mesmo tempo, suas tentativas de relacionar-se com uma americana que não se desvencilha da lembrança do namorado morto e vive no passado revelam-se infrutíferas. A personagem é recordada ao longo do romance em toda palavra que contenha seu nome -AmErica, perifErica etc.
O rito de passagem do protagonista o leva a ver-se como um janízaro moderno em um país que invadia um Estado de seu continente natal, o Afeganistão. Assim, decide abandonar um projeto em Valparaíso, no Chile, para retornar a Nova York, apesar da certeza de que perderia o emprego e a possibilidade de permanecer nos Estados Unidos. Só lhe resta retornar ao Paquistão, em meio à crise nuclear com a Índia.
"Nas histórias que contamos de nós mesmos, não somos os radicais enlouquecidos e indigentes que o senhor vê em seus canais de televisão, mas fomos santos e poetas", argumenta sem conformismo o jovem paquistanês ante a incompreensão e o temor que se intensificam e tensionam toda a obra.


PAULO DANIEL FARAH é professor na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP


O FUNDAMENTALISTA RELUTANTE
Autor: Mohsin Hamid
Tradução: Vera Ribeiro
Editora: Objetiva/Alfaguara
Quanto: R$ 29,90 (176 págs.)
Avaliação: bom



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