São Paulo, sábado, 20 de outubro de 2007

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Crítica/"Alarm!"

Tom didático enfraquece romance histórico

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Um tema interessante e original, além de um apropriado conhecimento de história pelo escritor, não bastam para produzir um bom romance histórico. É o caso de "Alarm!", do veterano jornalista Roberto Muylaert, ex-presidente da Fundação Padre Anchieta (TV Cultura), de 1986 a 1995, e ex-ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social (governo FHC).
"Alarm!" era o grito de alerta dos submarinistas alemães quando precisavam submergir rapidamente para fugir a um ataque do inimigo. Muylaert partiu de alguns fatos conhecidos para criar o personagem principal, Werner Hoodart, um brasileiro de Blumenau que, pego pela guerra na terra dos seus ancestrais, torna-se marinheiro de submarino alemão.

Casos reais
Houve vários casos reais de brasileiros que lutaram pelo Terceiro Reich; houve até o caso de um irmão que lutou no Exército alemão na Rússia, enquanto outro lutava na Itália com a Força Expedicionária Brasileira (FEB).
Werner seria um bom personagem a ser aprofundado. Mas o nada plausível enredo faz o marinheiro desembarcar de bote de borracha na Praia Grande pois queria tomar uma cachaça. O comandante do submarino U-199 não só emerge em plena luz do dia na costa, como permite a excursão...
Há vários pecados que o romancista histórico comete. O mais comum é o didatismo. O romance termina parecendo uma colagem de verbetes de enciclopédia. Romancistas históricos profissionais, como o best-seller britânico Bernard Cornwell, conseguem costurar os fatos históricos -e mesmo detalhes técnicos- na narrativa, de modo a não sobressaírem. Muylaert não tem esse traquejo, como mostram os "verbetes" sobre o gasogênio, a FEB, o armamento do submarino etc. Até parte da bibliografia histórica é citada!
Algumas descrições são melhores, como o original e fétido odor a bordo de um submarino. Quando fala da velha São Paulo, ele também mostra algo hoje quase inimaginável -lotes vazios na rua Estados Unidos, de onde se podia ver ao longe o Hospital das Clínicas.

Liberdades
Misturar fato e ficção também pode ser um problema, quando não há meios de o leitor distinguir um do outro. Muylaert não toma liberdades com a Copa de futebol de 1938; não pegaria bem inventar um resultado de jogo. Mas ele o faz sem problemas com a história do U-199, um submarino que de fato existiu com este nome, e de fato foi o único afundado pela Força Aérea Brasileira durante a guerra.
A descrição do afundamento está repleta de erros (este resenhista descreveu em detalhe a ação em reportagem na Folha em 1993 e em artigo na revista britânica de aviação "Air Enthusiast" em 1994). Por exemplo, ele narra o ataque feito por um bombardeiro Hudson americano e um Catalina brasileiro ao submarino; na verdade foram três aviões -um Mariner americano, um Hudson brasileiro e por fim o Catalina brasileiro que terminou de afundar o U-199.
Um pecado mais grave é a divulgação de mitos. Por exemplo, Muylaert diz que os soldados da FEB foram obrigados a usar capacete de aço em combate pelos americanos. Nunca houve tal coisa. Nenhum soldado seria louco de não usar capacete. O Exército os usava no Brasil.

Código
Até uma velha piada foi descrita como podendo ter acontecido -que os brasileiros chegaram a usar o português como "código secreto" em transmissões de rádio. "Até hoje ninguém sabe se esse episódio de fato ocorreu", escreve o autor. Levando-se em conta que português e italiano são bem semelhantes, e que os alemães transmitiam em português para tentar minar o moral brasileiro, fica bem clara a loucura de tal afirmação.


ALARM!
Autor: Roberto Muylaert
Editora: Globo
Quanto: R$ 20 (232 págs.)
Avaliação: regular



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