São Paulo, sábado, 20 de outubro de 2007

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TRECHO

Ouverture
Noite morna de maio em Paris, 1903. Cem mil parisienses deixaram a noite pela metade, escoando em massa de suas casas em direção às estações Saint-Lazare e Montparnasse, estações ferroviárias. Alguns nem foram dormir, outros programaram o despertador para um horário absurdo, para depois escorregar para longe da cama, lavar-se sem fazer barulho e topar nas coisas, procurando o paletó. Em alguns casos, eram famílias inteiras que partiam, mas em sua maioria foram indivíduos que empreenderam isoladamente a viagem, não raro contra toda lógica ou bom senso. As mulheres, na cama, depois, esticavam as pernas para o lado agora vazio. Os pais trocavam algumas palavras, deduzidas da discussão do dia anterior, dos dias anteriores, das semanas anteriores. Centravam-se na independência dos filhos. O pai se erguia no travesseiro e via a hora. Duas horas. Era um ruído muito estranho, porque cem mil pessoas às duas da madrugada são como uma torrente que corre num leito de nada, desaparecidos os seixos, muda a praia. Apenas água contra água. Assim, suas vozes corriam por entre portas metálicas fechadas, ruas vazias e objetos parados.
Extraído de "Esta História", de Alessandro Baricco


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