São Paulo, sábado, 20 de outubro de 2007

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Crítica/ "Seda" e "Esta História"

Obras trazem estilo elegante de Baricco

Mais discutido autor da nova geração italiana mostra sua habilidade como criador de figuras de exceção em romances

MAURÍCIO SANTANA DIAS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Da nova geração de escritores italianos, Alessandro Baricco, 49, é certamente o que vem suscitando maior debate, para não dizer barulho.
Lido e cultuado sobretudo pelo público mais jovem, o escritor tem sido alvo de ataques contundentes por parte da crítica. O lançamento de "Esta História" e da nova edição de "Seda" pode ajudar a entender o fenômeno.
Em ambos os romances, Baricco se mostra um excelente criador de histórias e personagens, todos figuras de exceção, que beiram o "mágico". E tudo envolvido num estilo fluente e elegante, aliás muito bem traduzido por Roberta Barni e Léo Schlafman: um texto que pretende cativar o leitor desde a primeira página.
O herói de "Seda", Hervé Joncour, abandona a carreira militar no início dos anos 1860 e passa a se dedicar ao comércio de bichos-da-seda. Durante vários anos, como um Marco Polo zen, ele deixa a mulher numa cidadezinha da França e parte em viagem de três meses para o norte do Japão, país que começava a se abrir para o Ocidente.
No Japão, o que fascina mesmo Joncour é a beleza misteriosa de uma jovem, de quem o europeu mal consegue se aproximar. O narrador acompanha a rotina lírica e comercial de sua personagem durante alguns anos, até que o vilarejo japonês é arrasado numa guerra.
Tudo então passa a transcorrer mais na memória do que nas estepes que o viajante era obrigado a atravessar. O amor, a guerra, a passagem do tempo, traçados em brevíssimos capítulos, compõem ao final uma espécie de gravura japonesa de contornos transparentes, que Joncour contempla extasiado, sem se reconhecer nela.
Já "Esta História", o mais ambicioso romance de Baricco, traça a trajetória de Ultimo Parri, que nasce na era gloriosa dos primeiros automóveis.
Narrada de vários pontos de vista e em tempos múltiplos, indo de 1903 a 1969, a história de Ultimo segue paralela à história de boa parte do século 20. No primeiro capítulo, assistimos à lendária corrida Paris-Madri de 1903, que acabou em carnificina. Pela primeira vez, a força das máquinas começava a mostrar seu potencial destruidor num mundo ainda dominado por bois e cavalos. As cenas da "Ouverture" são de grande impacto e seguramente farão delirar os amantes do automobilismo.
Os dois capítulos seguintes mostram o pai de Ultimo vendendo 26 vacas em 1904 para montar uma garagem onde antes havia um curral. Assim o menino cresce num vilarejo perdido do norte da Itália, criado por um pai visionário, a meio caminho entre o velho mundo tradicional, lento, pacato, e o novo mundo da velocidade, caótico, perigoso. Dito assim, pode parecer esquemático, mas, sob a prosa sedosa e onírica do escritor, nota-se claramente o desenho mental e pedagógico de Baricco.
Não por acaso, logo em seguida vemos Ultimo, aos 20 anos, enfiado numa trincheira da famosa batalha de Caporetto, o maior desastre militar da Itália e lance crucial da Primeira Guerra. E, aqui, Baricco marca mais um ponto entre aficionados por histórias de guerra, que são muitos.
A história avança, e Ultimo, após uma temporada dirigindo caminhões nos EUA, onde conhece a russa Elizaveta, vai parar, anos mais tarde, numa base aérea na Inglaterra, já em plena Segunda Guerra. Mas nem o trauma das batalhas, nem a vida errante, nem a falta de sentido da "História" -esta é a tese- abalam nosso herói. Ultimo Parri tem um plano, um projeto que será capaz de dar ordem ao caos: a construção de uma estrada com 18 curvas, reprodução perfeita e borgiana de sua própria vida.
Claro que o circuito não se destina a nenhuma competição. Assemelha-se mais a uma "land art". Apenas o gesto gratuito que, assim como um conto de fadas, poderia salvar o mundo.


MAURÍCIO SANTANA DIAS é professor de literatura italiana na USP.


SEDA
Autor: Alessandro Baricco
Tradução: Léo Schlafman
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 31 (128 págs.)
Avaliação: regular



ESTA HISTÓRIA
Autor: Alessandro Baricco
Tradução: Roberta Barni
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 45 (296 págs.)
Avaliação: bom



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