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Crítica/ "Seda" e "Esta História"
Obras trazem estilo elegante de Baricco
Mais discutido autor da nova geração italiana mostra sua habilidade como criador de figuras de exceção em romances
MAURÍCIO SANTANA DIAS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Da nova geração de escritores italianos, Alessandro Baricco, 49, é
certamente o que vem suscitando maior debate, para não
dizer barulho.
Lido e cultuado sobretudo
pelo público mais jovem, o escritor tem sido alvo de ataques
contundentes por parte da crítica. O lançamento de "Esta
História" e da nova edição de
"Seda" pode ajudar a entender
o fenômeno.
Em ambos os romances, Baricco se mostra um excelente
criador de histórias e personagens, todos figuras de exceção,
que beiram o "mágico". E tudo
envolvido num estilo fluente e
elegante, aliás muito bem traduzido por Roberta Barni e Léo
Schlafman: um texto que pretende cativar o leitor desde a
primeira página.
O herói de "Seda", Hervé
Joncour, abandona a carreira
militar no início dos anos 1860
e passa a se dedicar ao comércio de bichos-da-seda. Durante
vários anos, como um Marco
Polo zen, ele deixa a mulher numa cidadezinha da França e
parte em viagem de três meses
para o norte do Japão, país que
começava a se abrir para o Ocidente.
No Japão, o que fascina mesmo Joncour é a beleza misteriosa de uma jovem, de quem o
europeu mal consegue se aproximar. O narrador acompanha
a rotina lírica e comercial de
sua personagem durante alguns anos, até que o vilarejo japonês é arrasado numa guerra.
Tudo então passa a transcorrer mais na memória do que
nas estepes que o viajante era
obrigado a atravessar. O amor,
a guerra, a passagem do tempo,
traçados em brevíssimos capítulos, compõem ao final uma
espécie de gravura japonesa de
contornos transparentes, que
Joncour contempla extasiado,
sem se reconhecer nela.
Já "Esta História", o mais
ambicioso romance de Baricco,
traça a trajetória de Ultimo
Parri, que nasce na era gloriosa
dos primeiros automóveis.
Narrada de vários pontos de
vista e em tempos múltiplos,
indo de 1903 a 1969, a história
de Ultimo segue paralela à história de boa parte do século 20.
No primeiro capítulo, assistimos à lendária corrida Paris-Madri de 1903, que acabou em
carnificina. Pela primeira vez, a
força das máquinas começava a
mostrar seu potencial destruidor num mundo ainda dominado por bois e cavalos. As cenas
da "Ouverture" são de grande
impacto e seguramente farão
delirar os amantes do automobilismo.
Os dois capítulos seguintes
mostram o pai de Ultimo vendendo 26 vacas em 1904 para
montar uma garagem onde antes havia um curral. Assim o
menino cresce num vilarejo
perdido do norte da Itália, criado por um pai visionário, a
meio caminho entre o velho
mundo tradicional, lento, pacato, e o novo mundo da velocidade, caótico, perigoso. Dito assim, pode parecer esquemático,
mas, sob a prosa sedosa e onírica do escritor, nota-se claramente o desenho mental e pedagógico de Baricco.
Não por acaso, logo em seguida vemos Ultimo, aos 20 anos,
enfiado numa trincheira da famosa batalha de Caporetto, o
maior desastre militar da Itália
e lance crucial da Primeira
Guerra. E, aqui, Baricco marca
mais um ponto entre aficionados por histórias de guerra, que
são muitos.
A história avança, e Ultimo,
após uma temporada dirigindo
caminhões nos EUA, onde conhece a russa Elizaveta, vai parar, anos mais tarde, numa base
aérea na Inglaterra, já em plena
Segunda Guerra. Mas nem o
trauma das batalhas, nem a vida errante, nem a falta de sentido da "História" -esta é a tese- abalam nosso herói. Ultimo Parri tem um plano, um
projeto que será capaz de dar
ordem ao caos: a construção de
uma estrada com 18 curvas, reprodução perfeita e borgiana
de sua própria vida.
Claro que o circuito não se
destina a nenhuma competição. Assemelha-se mais a uma
"land art". Apenas o gesto gratuito que, assim como um conto de fadas, poderia salvar o
mundo.
MAURÍCIO SANTANA DIAS é professor de literatura italiana na USP.
SEDA
Autor: Alessandro Baricco
Tradução: Léo Schlafman
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 31 (128 págs.)
Avaliação: regular
ESTA HISTÓRIA
Autor: Alessandro Baricco
Tradução: Roberta Barni
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 45 (296 págs.)
Avaliação: bom
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