São Paulo, terça, 20 de outubro de 1998

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Wayne Shorter chega a exagerar na discrição

CARLOS CALADO
especial para a Folha

"O mais importante no jazz é o combate, e não a perfeição." Na única vez em que se dirigiu à platéia, durante a última noite do Free Jazz paulista, Wayne Shorter ofereceu uma definição precisa de sua música, deixando seus fãs um tanto perplexos.
O saxofonista e compositor norte-americano parecia quase uma sombra do improvisador que já atuou ao lado de monstros sagrados do jazz, como Art Blakey, Horace Silver e Miles Davis.
Numa noite de inexplicável "low profile", Shorter limitou-se praticamente a tocar os temas de suas composições, entregando a maior parte dos improvisos ao guitarrista David Gilmore (nada a ver com a banda Pink Floyd) e ao pianista Jim Beard.
Foi como se o veterano jazzista estivesse decidido a focar, nessa apresentação, somente seu trabalho de compositor. Uma faceta, aliás, que muitos desconhecem: Shorter é, sem dúvida, um dos autores mais originais do jazz.
²
Improvisos
O repertório escolhido cobriu momentos significativos de sua trajetória. "Juju" (1964) e "Angola" (1965) marcaram os primeiros tempos de Shorter como solista, em álbuns (hoje clássicos) gravados para o selo Blue Note.
No entanto, quem arrancou aplausos do público foi mesmo o guitarrista David Gilmore, que exibiu solos eficientes e bem articulados, sem exibicionismos. Uma verdadeira façanha, por sinal, já que estava à frente de uma platéia completamente dominada por fãs do "guitar hero" britânico Jeff Beck.
"Masqualero" (de 1967, época em que Shorter tocou no lendário Miles Davis Quintet) ganhou uma ambientação de trilha sonora, mas quem brilhou foi mesmo o piano de Jim Beard, num improviso essencialmente rítmico.
Só mesmo na meditativa "Meridianne -±A Wood Sylph" (composição extraída de "1+1", o recente álbum gravado em parceria com o pianista Herbie Hancock) é que Shorter exibiu um pouco mais de seu know-how de improvisador, num belo duo com Beard.
Excessivamente discreto, até mesmo no tempo de duração de seu concerto, Shorter saiu do palco em menos de uma hora, mas foi obrigado a retornar graças aos pedidos do público (outra surpresa, para quem esperava até possíveis vaias vindas dos beckmaníacos mais ansiosos).
O bis acabou resultando no ponto alto do show: em uma versão bastante livre de "Footprints", Shorter concedeu enfim um solo à altura de sua arte.
Uma pena que, justamente nessa noite, Shorter tenha quase esquecido sua definição de jazz. Para o gladiador que é, combateu muito pouco.



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