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Wayne Shorter chega a exagerar na discrição
CARLOS CALADO
especial para a Folha
"O mais importante no jazz é o
combate, e não a perfeição." Na
única vez em que se dirigiu à platéia, durante a última noite do Free
Jazz paulista, Wayne Shorter ofereceu uma definição precisa de sua
música, deixando seus fãs um tanto perplexos.
O saxofonista e compositor norte-americano parecia quase uma
sombra do improvisador que já
atuou ao lado de monstros sagrados do jazz, como Art Blakey, Horace Silver e Miles Davis.
Numa noite de inexplicável "low
profile", Shorter limitou-se praticamente a tocar os temas de suas
composições, entregando a maior
parte dos improvisos ao guitarrista
David Gilmore (nada a ver com a
banda Pink Floyd) e ao pianista
Jim Beard.
Foi como se o veterano jazzista
estivesse decidido a focar, nessa
apresentação, somente seu trabalho de compositor. Uma faceta,
aliás, que muitos desconhecem:
Shorter é, sem dúvida, um dos autores mais originais do jazz.
²
Improvisos
O repertório escolhido cobriu
momentos significativos de sua
trajetória. "Juju" (1964) e "Angola"
(1965) marcaram os primeiros
tempos de Shorter como solista,
em álbuns (hoje clássicos) gravados para o selo Blue Note.
No entanto, quem arrancou
aplausos do público foi mesmo o
guitarrista David Gilmore, que exibiu solos eficientes e bem articulados, sem exibicionismos. Uma verdadeira façanha, por sinal, já que
estava à frente de uma platéia completamente dominada por fãs do
"guitar hero" britânico Jeff Beck.
"Masqualero" (de 1967, época
em que Shorter tocou no lendário
Miles Davis Quintet) ganhou uma
ambientação de trilha sonora, mas
quem brilhou foi mesmo o piano
de Jim Beard, num improviso essencialmente rítmico.
Só mesmo na meditativa "Meridianne -±A Wood Sylph" (composição extraída de "1+1", o recente
álbum gravado em parceria com o
pianista Herbie Hancock) é que
Shorter exibiu um pouco mais de
seu know-how de improvisador,
num belo duo com Beard.
Excessivamente discreto, até
mesmo no tempo de duração de
seu concerto, Shorter saiu do palco
em menos de uma hora, mas foi
obrigado a retornar graças aos pedidos do público (outra surpresa,
para quem esperava até possíveis
vaias vindas dos beckmaníacos
mais ansiosos).
O bis acabou resultando no ponto alto do show: em uma versão
bastante livre de "Footprints",
Shorter concedeu enfim um solo à
altura de sua arte.
Uma pena que, justamente nessa
noite, Shorter tenha quase esquecido sua definição de jazz. Para o gladiador que é, combateu muito
pouco.
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