da Redação

Dizer que Keb' Mo' deu um show de blues seria reduzir demais o que se ouviu anteontem no Jockey Club de São Paulo. É claro que o blues entrou com o formato e foi o principal responsável para que, apenas com voz e violão -eventualmente com o auxílio de um banjo e uma gaita-, o músico mantivesse a platéia sob domínio.
Mas a música de Keb' Mo' é permeada com inflexões de soul e gospel nos vocais, além de ecos de country e folk no violão. E isso ajuda a decifrar o enigma do músico, que, apesar de ter seus discos colocados nas prateleiras de blues, consegue atrair ouvintes de outros espectros musicais. Aparentando nervosismo, Keb' Mo' começou sua apresentação com "Love in Vain", de Robert Johnson.
Escolher essa música para abrir o show foi decisão ousada. É inevitável compará-la com as versões do próprio Johnson, de Muddy Waters e até dos Rolling Stones. Mas Keb' Mo' fez uma leitura inteligente, centrada no canto, com poucas firulas no violão, o que reduziu a canção ao seu aspecto mais cativante. Ao escapar ileso desse campo minado musical, o músico recuperou a confiança, e a platéia descobriu ter diante de si uma enciclopédia das formas mais seminais da música negra americana.
Terminada "Love in Vain", teve início uma relação de troca e cumplicidade, principalmente nos momentos em que, convidada por Keb' Mo', a platéia inseria palmas ritmadas no arranjo das canções.
Sem uma banda para acompanhá-lo, Keb' Mo' evita desperdícios e sabe tirar o máximo do mínimo. Para tanto, transforma a voz em contrabaixo, o corpo em metrônomo e a platéia em bateria.
Essa interação deu grandeza ao show e tornou memoráveis as pulsantes "That's Not Love" e "Angelina". Quando já estava na sexta música, Keb' Mo' mostrou sua única deficiência. Com maestria, ele transitou dos agudos aos graves. O problema é que esse domínio do canto não foi tão evidente nas canções tocadas anteriormente. Disso conclui-se que, no caminho para a perfeição, Keb' Mo' deve tomar o atalho do aquecimento. (EF)


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