São Paulo, quarta-feira, 20 de novembro de 2002

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Catálogo da exposição "Arte Brasileira na Coleção Fadel" questiona Semana de 1922

Modernismo contra a parede

FABIO CYPRIANO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

"O que são as vaidades, meu Deus! Essa gente do Rio nunca perdoará SP ter tocado o sino. Não falo de você. Você já não é do Rio. Você é como eu: do Brasil", escreveu Mário de Andrade ao amigo e poeta Manuel Bandeira, em 18 de abril de 1925. O escritor referia-se à importância da Semana de Arte Moderna de 1922, esnobada por alguns cariocas.
A polêmica retorna agora a São Paulo com o livro editado junto à mostra "Arte Brasileira na Coleção Fadel - da Inquietação do Moderno à Autonomia da Linguagem", que será inaugurada no próximo sábado, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), com cerca de 200 obras da coleção Hecilda e Sérgio Fadel.
Paulo Herkenhoff, curador da 24ª Bienal de São Paulo, que utilizou a antropofagia dos paulistíssimos Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral como tema, ao organizar a mostra do CCBB preparou um livro com pesados petardos contra a Semana de 22, especialmente no capítulo "1922, um Ano sem Arte Moderna".
"O conceito da exposição é questionável porque ela instrumentaliza a coleção Fadel para um propósito no mínimo anacrônico: discutir qual é o centro mais "moderno': Rio de Janeiro ou São Paulo? É difícil acreditar que ainda se perca tempo com esse tipo de polêmica, cujo único interesse hoje em dia é histórico", afirma João Cesar de Castro Rocha, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
"A semana se tornou um mito onde não há crítica. Não estou vaiando o evento, mas sou um historiador da arte e não posso elogiar a semana que não apresentou nenhuma obra moderna produzida naquele ano. Isso é para cronistas", afirma Herkenhoff.
Em sua cruzada contra os mitos, o curador questiona os pilares do modernismo paulista, às vezes com deslizes.
Ao tratar de Anita Malfatti, por exemplo, o curador afirma que a artista "não sabia sequer distinguir impressionismo de expressionismo ao descrever seu estudo "sobre orientação expressionista de Corinth'".
No livro, Herkenhoff classifica o professor de Malfatti em Berlim, Lovis Corinth, apenas como "impressionista". Entretanto, de acordo com o livro "Kunst des 20. Jahrhunderts" (Arte do Século 20), editado por Ingo F. Walther, Corinth foi impressionista até 1911, quando, após um problema de saúde, passa a mudar seu estilo e "aproximar-se do expressionismo", justo na época que deu aulas a Malfatti.
"Corinth era um impressionista. Seu expressionismo era mais psicológico, e Anita não tinha maturidade para ser expressionista", afirma Herkenhoff.
O tom de cruzada no livro, de mesmo nome da mostra, é uma constante. O curador afirma que "era impossível ser pintor moderno em São Paulo" e defende que certos pintores do Rio, como Belmiro de Almeida (1858-1935) e Eliseu Visconti (1866-1944), teriam sido precursores do modernismo brasileiro, esnobados pelos "modernos" paulistas. "Anda difícil ser carioca. É preciso pensar se a história da arte deve ser escrita a partir da geopolítica de São Paulo, o que parece um realejo viciado", diz o curador.
"É importante ressaltar que só aceitei organizar essa exposição, a convite de Sérgio Fadel, para poder problematizar questões, não quis fazer um catálogo apenas elogiativo", afirma ainda Herkenhoff. Ele conseguiu.


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