São Paulo, quarta-feira, 20 de novembro de 2002

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"TERRAS DE PRETO"

Novo livro do gaúcho Ricardo Teles consumiu nove anos de pesquisas em PE, GO, BA, SP, MA e PA

Fotógrafo mergulha nos quilombos do Brasil

EDER CHIODETTO
EDITOR DE FOTOGRAFIA

"Terras de Preto", livro que o fotógrafo gaúcho Ricardo Teles lança hoje, Dia da Consciência Negra, no Sesc Pompéia, impressiona logo nas primeiras páginas ao trazer um dado da Fundação Palmares, órgão do Ministério da Cultura: há hoje no Brasil cerca de 900 quilombos.
Segundo a definição da Associação Brasileira de Antropologia, quilombo é toda comunidade negra rural que agrupe descendentes de escravos vivendo da cultura de subsistência e onde as manifestações culturais têm forte vínculo com o passado.
Ricardo Teles faz parte da boa safra de fotógrafos-documentaristas que surgiu no Brasil nos últimos anos. Assim como Tiago Santana, Ed Viggiani, Celso de Oliveira, entre outros, Teles mergulha no Brasil para resgatar imagens de um país em busca das várias faces que formam sua identidade. Em seu trabalho anterior, "Saga -°Retrato das Colônias Alemãs no Brasil", ele já havia feito um belo apanhado sobre a vertente mais européia dessa face.
"Terras de Preto" consumiu nove anos de trabalho, nos quais Teles percorreu nove quilombos nos confins de Pernambuco, Goiás, Bahia, São Paulo, Maranhão e Pará, escolhidos pelo autor por terem sido as primeiras comunidades a conquistarem a posse coletiva da terrra como remanescentes de quilombos no Brasil, apoiados por dispositivo constitucional.
As imagens que resultaram dessa expedição por esse Brasil praticamente desconhecido mostram a terra, o trabalho, o alimento, as moradias, as festividades, os botecos e as brincadeiras de crianças.
A opção de não ordenar as imagens por comunidades e não editar imagens com textos ou legendas explicativas, no entanto, prejudica um melhor aproveitamento da obra. As boas imagens causam interesse em querer saber quem são as pessoas e as situações enquadradas por Teles, mas não há informação precisa que atenda a esse interesse, a não ser dados que identificam a localidade ao final do livro. Faltou, também, um mapa que localizasse as comunidades no território brasileiro.
Documentários são um braço do jornalismo e, como tal, devem primar pela informação objetiva, ainda que a obra se permita um viés poético, autoral, além de um olhar original sobre o objeto abordado.
E é nesse ponto que a obra de Teles ganha força. Suas fotografias são bem compostas, incorporam alguns cortes inesperadamente belos e, sobretudo, espelham o grau de envolvimento e dedicação dele com o trabalho.
O perigo de um trabalho como esse reside na capacidade que o estrangeiro, no caso o fotógrafo branco, sulista e que mora em São Paulo, terá para assimilar e traduzir cultura tão diversa do seu cotidiano e da sua formação. A inexperiência poderia levar o fotógrafo a extrair de seu objeto apenas aquilo que lhe parecesse exótico ou estranho ao seu repertório.
Não é o que acontece com Teles, resultado provável dos nove anos de trabalho que o ajudaram a depurar seu olhar. Dessa forma ele fotografou duas grandes festividades quilombolas com bastante propriedade: a Marujada, no Mangal, próximo ao rio São Francisco, e as celebrações de D'Abadia e São Gonçalo, no Kalunga, na chapada dos Veadeiros (GO).
Teles fotografou seus personagens como quem olha de dentro da comunidade, passando quase despercebido. Ponto fundamental para que seu documentário funcione. Eis aqui a revelação de mais uma face do Brasil que se junta ao mosaico de tantas outras para ajudar na percepção da beleza e da riqueza dessa diversidade.

Terras de Preto


   
Autor: Ricardo Teles
Editora: ABooks
Quanto: R$ 90 (164 págs.)
Patrocinador: Qualix Serviços Ambientais
Exposição: de amanhã a 30/11, das 9h às 22h; domingos e feriados, das 9h às 20h, no Sesc Pompéia (r. Clélia, 93, SP, tel. 0/xx/11/3871-7700). Lançamento: hoje, às 20h



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