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ANÁLISE
Ouro Preto precisa discutir a preservação no âmbito coletivo
GUILHERME WISNIK
CRÍTICO DA FOLHA
A cidade de Ouro Preto está
ameaçada de entrar na lista
de "patrimônios em risco", ou até
mesmo de vir a perder o título de
patrimônio da humanidade, na
classificação da Unesco.
Tal decisão dependerá da avaliação do Comitê do Patrimônio
Mundial, que visitará o local até o
início do ano que vem.
O que motivou essa alarmante
situação foi o descontentamento
da entidade em relação à gestão
do crescimento urbano da cidade:
a ocupação irregular das encostas
da antiga "Vila" e o intenso tráfego de ônibus e caminhões no seu
centro histórico.
Devemos compreender que essa ameaça não representa uma
afronta, mas uma pressão da comunidade internacional para que
os sítios de interesse sejam realmente preservados e que títulos
como o de "patrimônio da humanidade" não significam prêmios
vitalícios, mas exigem o cumprimento de certas normas.
Ouro Preto foi a primeira cidade
brasileira a receber o título da
Unesco, no ano de 1980, e concentra simbolicamente muito do que
entendemos ainda hoje como legítima expressão da cultura nacional.
A cidade, no século 20, foi o
ponto convergente das "viagens
de descoberta" do Brasil empreendidas pelos modernistas de
22, acompanhando o poeta Blaise
Cendrars.
Além disso, tal é a importância
de seu acervo artístico e arquitetônico que estudiosos como Germain Bazin a consideraram, figurada na obra de Aleijadinho, como a última grande manifestação
da arte religiosa no mundo.
Evidentemente, nos países ricos, cidades de importância e escala semelhantes não são tratadas
com tanto descaso. Lá, o acesso de
veículos às suas áreas centrais é
sempre controlado, e o visitante é
corretamente informado sobre as
características históricas de cada
edifício ou peça museológica.
Por outro lado, cedendo à colonização turística, tais cidades terminam por perder sua urbanidade, tornando-se museus a céu
aberto, locais de entretenimento e
consumo.
Ouro Preto, por sua vez, mantém elementos de uma cultura urbana ainda ativa, aparente, por
exemplo, na sua agitação universitária ou na cultura musical dos
seus festivais.
No entanto os combina a outras
tantas características de museificação turística predatória, porém
em estado precário. Banquinhas
ambulantes de pedras preciosas,
sons alardeados por alto-falantes
e trânsito dão antes uma impressão de abandono, e não daquela
eficiência artificial impactante das
cidades européias. Ficamos, mais
uma vez, num incômodo meio
termo.
Há que se condenar, seguramente, uma certa cultura do desleixo, da qual a situação de Ouro
Preto decorre. Mas a questão
enraíza-se no dilema central da
urbanização em países subdesenvolvidos: o dinheiro atrai serviços,
e, portanto, uma população nova
que vem a se estabelecer no local,
via de regra de modo precário.
Dessa maneira, a abrangência
do problema só poderá ser enfrentada se a questão da preservação for discutida, no país, como
tema de interesse coletivo, o que
não seria uma novidade, haja visto a acirrada discussão que envolveu a decisão sobre construir um
hotel moderno ou neocolonial na
cidade mineira, entre os anos de
1939 e 40.
Finalmente, a complexidade social e cultural da situação exige
que se busquem soluções distintas das que foram empregadas,
por exemplo, no caso do Pelourinho, em Salvador, onde a "revitalização" significou, cinicamente,
segregação e maquiagem cenográfica.
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