São Paulo, sexta, 20 de novembro de 1998

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Filme exibe "Brasil profundo'

da Equipe de Articulistas

"Cine Mambembe - O Cinema Descobre o Brasil" é um documentário estimulante. É também a prova de que o cinema (mesmo que feito em vídeo) é, de todos os meios de expressão, o mais sensível à pulsação imediata da vida.
O país que esse documentário nos descortina é um país multifacetado, cambiante, contraditório, doloroso, cruel, mas também pleno de energia e, contra todas as evidências, de esperança.
Nessa ponte entre o cinema e o Brasil profundo, o que chama a atenção, de início, é a generosidade de Laís Bodanzky (filha de Jorge Bodanzky) e Luiz Bolognesi.
Mas o documentário não é feito só de boas intenções. Há, nas suas belas e urgentes imagens, um olhar sensível e cinematograficamente maduro sobre o mundo.
Equilibra-se ali o registro da saga do Cine Mambembe (a chegada às cidades, a instalação do projetor e da tela, o anúncio das sessões etc.), os reflexos imediatos dos filmes exibidos e as histórias locais que mais merecem ser contadas.
Em vez da "cor local" buscada pelos Fantásticos da vida -nos quais o "povo" é sempre objeto-, o que o documentário procurou foi registrar, sem paternalismo, o modo como os indivíduos interpretam sua realidade, nas situações mais diversas.
Índios, pescadores, donas-de-casa, crianças, lavradores, todos falam com extrema vivacidade sobre a vida de seu lugar e sobre seu lugar na vida.
Há momentos de alta dramaticidade -como a cena em que uma mulher descreve como prepara uma criança morta para o enterro-, que o documentário trata com discrição e respeito, a anos-luz daquela abjeta tendência da televisão de enfiar a câmera na cara do personagem até conseguir captar uma lágrima.
Há também depoimentos que comovem por sua lucidez, como o da adolescente Cristina, de Lagoa dos Gatos (PE), que ficou anos sem ir à escola (o pai, lavrador, achava bobagem), mas virou frequentadora assídua da biblioteca pública e chegou a uma consciência aguda de sua situação.
Em outro momento, Laís Bodanzky explica a um grupo de crianças maravilhadas como se faz um desenho animado. Ensinar e aprender, num movimento de mão dupla. É essa troca, esse diálogo vivo com o país, que "Cine Mambembe" nos oferece. (JGC)


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