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CINEMA/ESTRÉIAS
"OS PALHAÇOS"
Produção foi realizada pelo cineasta em 1970 para a TV
Fellini acerta as contas com a sua paixão pelo circo
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
É possível resumir "Os Palhaços" como o acerto de
contas de Federico Fellini (1920-93) com sua paixão pelo circo e
pelos palhaços em particular.
Já o início, aliás, não deixa dúvidas a esse respeito. Existe ali um
menino e sua primeira experiência no circo. Experiência clandestina, já que deve escapar de casa
para chegar perto do objeto de
sua fascinação.
É o ponto alto do filme: longe de
ser um circo real, o que Fellini nos
dá a ver é uma fabulosa fantasia.
Um circo sonhado, como se o menino não tivesse saído de seu
quarto. Fellini sabia filmar sonhos
como ninguém. Aqui filma o seu
próprio sonho infantil.
Talvez o que vem a seguir seja
um pouco mais árido -e talvez
isso justifique o fato de este filme
ter levado 32 anos para sair do
ineditismo no Brasil-, pois trata-se de Fellini buscando os palhaços, entrevistando-os, examinando particularidades e estilos.
Alguns nos parecerão estranhos, como a figura do palhaço
branco, mais rico que a média e,
aparentemente, ligado à tradição
francesa do circo.
Isso importa pouco. Com "Os
Palhaços" estamos de certa forma
no coração de Fellini e de seu cinema. Não é por acaso que ele faz
uma aparição como documentarista, dando a entender que o fascínio, em vez de se extinguir com
a idade, apenas se profissionalizou. Lá estão as máscaras, as maquiagens excessivas, as roupas extravagantes, que deformam os
corpos. Lá está a matéria-prima
de parte do cinema felliniano.
O palhaço é um homem disfarçado. Não muito diferente, por
exemplo, do vigarista que se faz
passar por padre para passar um
conto do vigário em "A Trapaça"
(1955), ou da dupla de bailarinos
de "Ginger e Fred" (1985), que se
fantasiam de Ginger Rogers e
Fred Astaire -para falar de trabalhos distantes 30 anos um do
outro; no meio haverá muitos outros exemplos.
O palhaço é ele mesmo e um outro. Como todos nós, talvez. Essa
duplicidade talvez seja o motivo
do fascínio que desperta em certas crianças e do horror que inspira a outras. Fellini parece ter carregado vida afora tanto o fascínio
como o horror dessa fantasia infantil. Sobretudo a idéia de fantasia, muito presente em sua obra.
Existe outro aspecto ligado ao
caráter infantil dessa fantasia: um
certo apego felliniano ao passado,
a modos de convivência mais suaves do que aqueles que a guerra e
o pós-guerra revelaram. Os anos
50 foram marcados por vários filmes de circo, o que talvez revele a
aspiração de manter viva uma arte que o tempo estava se encarregando de enterrar.
Ao longo de sua vida, Fellini
criou um correlato do circo em
imagens cinematográficas. Em
1970, neste trabalho para TV, fez
uma espécie de exumação do circo, buscando os últimos grandes
"clowns" e, neles, a imagem de
um tempo que seu cinema procurou, talvez, eternizar.
Filme menor? Pode ser. Desigual, com certeza. Mas cada plano
tem a pulsação de um cineasta invulgar. Ninguém desprezará.
Os Palhaços
I Clowns
Direção: Federico Fellini
Produção: França/Itália/ Alemanha,
1970
Com: Riccardo Billi, Fanfulla, Mayo Morin
e Lima Alberti
Quando: a partir de hoje no Cineclube
DirecTV 1
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