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CINEMA/ESTRÉIA
"TOSCA"
Diretor dispensou locação, preferindo usar cenários com fundos negros
Obra de Jacquot supera a
média dos filmes de ópera
IRINEU FRANCO PERPETUO
CRÍTICO DA FOLHA
Se você nunca viu um filme
de ópera, não perdeu muita
coisa, até hoje. A realização cinematográfica da "Tosca", de Puccini, feita por Benoît Jacquot, tanto
como cinema quanto como música, funciona bem melhor do que
costuma ser a regra no gênero.
A escolha do título, por certo,
ajuda. Com pouco menos de duas
horas de duração, "Tosca" tem
uma trama concisa e intensa. Torturas, fuzilamento, assassinato,
traições, barganha sexual e suicídio acontecem no palco: o pano
de fundo são as lutas políticas na
Roma do período napoleônico.
Os aspectos folhetinescos da
trama andaram chocando o bom
gosto das almas mais sensíveis
desde a estréia, em 1904. Mas
"Tosca" acabou se firmando, graças à carga de paixões que carrega
e à força da mais wagneriana das
partituras de Puccini, com árias
da beleza de "Vissi d'arte" e "E lucevan le stelle" e uma teia orquestral sofisticada e repleta de motivos condutores ("leitmotive").
A versão de Jacquot é bastante
superior a tentativas prévias de
filmar "Tosca", como a de Mario
Lanfranchi (1960), com a mítica
Magda Olivero no papel-título, ou
ainda a de Gianfranco de Bosio
(1976), com Raina Kabaivanska e
Plácido Domingo.
Jacquot resiste à tentação de filmar em locação, o que costuma
diluir a força de "Tosca" em imagens de cartão-postal romano. O
diretor optou por cenários em
fundos negros que permitem um
jogo com suas dimensões. Os cantores ora se sobressaem com relação a eles, ora são esmagados por
seu tamanho, em metáfora de sua
fragilidade e impotência diante
do destino.
Mais importante: Jacquot é
consciente de estar fazendo um
filme de ópera, e não filmagem
documental de uma montagem
feita em um teatro.
A câmera está próxima, e a direção de cantores/atores é consciente e meticulosa, conseguindo evitar canastrices e, ao mesmo tempo, manter a naturalidade do canto, graças a uma utilização impecável do "playback".
Puristas talvez se choquem com
a utilização do texto em locais não
previstos por Puccini. Mas o recurso só acarreta em ganhos dramáticos. E algumas surpresas devem vir da alternância entre imagens coloridas da ação com cenas,
em preto-e-branco, da gravação
em estúdio da trilha sonora.
Tal gravação, por sinal, tem
qualidade impecável. Antonio
Pappano extrai uma sonoridade
exuberante da Orquestra da Royal Opera House, de Londres,
conseguindo a proeza de aliar flexibilidade e precisão.
No papel-título, a referência fonográfica é Maria Callas, que deixou dois vídeos do segundo ato
para a posteridade. A romena Angela Gheorghiu certamente os assistiu, e a excessiva reverência ao
mito Callas é a única recriminação que se pode fazer. Seu marido,
o tenor franco-italiano Roberto
Alagna, escureceu a voz para encarar o pintor Mario Cavaradossi,
interpretado de maneira adequadamente ardente.
Vocalmente, o calcanhar de
aquiles é o Scarpia de Ruggero
Raimondi, estrela ainda reluzente, porém em declínio. De qualquer forma, hoje os recursos de
estúdio fazem de tudo pelas vozes; e Raimondi, que já atuou no
antológico "Don Giovanni" de Joseph Losey (1979), tem atuação
convincente, sendo irrelevantes
suas eventuais debilidades vocais.
Tosca
Tosca
Direção: Benoît Jacquot
Produção: Inglaterra, França, Itália,
Alemanha, 2001
Com: Angela Gheorghiu, Roberto
Alagna, Ruggero Raimondi
Produção: Inglaterra, França
Quando: a partir de hoje no Frei Caneca
Unibanco Arteplex 6
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