São Paulo, sexta-feira, 20 de dezembro de 2002

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CINEMA/ESTRÉIA

"TOSCA"

Diretor dispensou locação, preferindo usar cenários com fundos negros

Obra de Jacquot supera a média dos filmes de ópera

IRINEU FRANCO PERPETUO
CRÍTICO DA FOLHA

Se você nunca viu um filme de ópera, não perdeu muita coisa, até hoje. A realização cinematográfica da "Tosca", de Puccini, feita por Benoît Jacquot, tanto como cinema quanto como música, funciona bem melhor do que costuma ser a regra no gênero.
A escolha do título, por certo, ajuda. Com pouco menos de duas horas de duração, "Tosca" tem uma trama concisa e intensa. Torturas, fuzilamento, assassinato, traições, barganha sexual e suicídio acontecem no palco: o pano de fundo são as lutas políticas na Roma do período napoleônico.
Os aspectos folhetinescos da trama andaram chocando o bom gosto das almas mais sensíveis desde a estréia, em 1904. Mas "Tosca" acabou se firmando, graças à carga de paixões que carrega e à força da mais wagneriana das partituras de Puccini, com árias da beleza de "Vissi d'arte" e "E lucevan le stelle" e uma teia orquestral sofisticada e repleta de motivos condutores ("leitmotive").
A versão de Jacquot é bastante superior a tentativas prévias de filmar "Tosca", como a de Mario Lanfranchi (1960), com a mítica Magda Olivero no papel-título, ou ainda a de Gianfranco de Bosio (1976), com Raina Kabaivanska e Plácido Domingo.
Jacquot resiste à tentação de filmar em locação, o que costuma diluir a força de "Tosca" em imagens de cartão-postal romano. O diretor optou por cenários em fundos negros que permitem um jogo com suas dimensões. Os cantores ora se sobressaem com relação a eles, ora são esmagados por seu tamanho, em metáfora de sua fragilidade e impotência diante do destino.
Mais importante: Jacquot é consciente de estar fazendo um filme de ópera, e não filmagem documental de uma montagem feita em um teatro.
A câmera está próxima, e a direção de cantores/atores é consciente e meticulosa, conseguindo evitar canastrices e, ao mesmo tempo, manter a naturalidade do canto, graças a uma utilização impecável do "playback".
Puristas talvez se choquem com a utilização do texto em locais não previstos por Puccini. Mas o recurso só acarreta em ganhos dramáticos. E algumas surpresas devem vir da alternância entre imagens coloridas da ação com cenas, em preto-e-branco, da gravação em estúdio da trilha sonora.
Tal gravação, por sinal, tem qualidade impecável. Antonio Pappano extrai uma sonoridade exuberante da Orquestra da Royal Opera House, de Londres, conseguindo a proeza de aliar flexibilidade e precisão.
No papel-título, a referência fonográfica é Maria Callas, que deixou dois vídeos do segundo ato para a posteridade. A romena Angela Gheorghiu certamente os assistiu, e a excessiva reverência ao mito Callas é a única recriminação que se pode fazer. Seu marido, o tenor franco-italiano Roberto Alagna, escureceu a voz para encarar o pintor Mario Cavaradossi, interpretado de maneira adequadamente ardente.
Vocalmente, o calcanhar de aquiles é o Scarpia de Ruggero Raimondi, estrela ainda reluzente, porém em declínio. De qualquer forma, hoje os recursos de estúdio fazem de tudo pelas vozes; e Raimondi, que já atuou no antológico "Don Giovanni" de Joseph Losey (1979), tem atuação convincente, sendo irrelevantes suas eventuais debilidades vocais.


Tosca
Tosca
   
Direção: Benoît Jacquot
Produção: Inglaterra, França, Itália, Alemanha, 2001
Com: Angela Gheorghiu, Roberto Alagna, Ruggero Raimondi
Produção: Inglaterra, França
Quando: a partir de hoje no Frei Caneca Unibanco Arteplex 6



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