São Paulo, Sexta-feira, 21 de Janeiro de 2000


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Pegaram o "Dogma" para Cristo

Divulgação
Armadura usada pelos anjos de "Dogma" quando resolvem massacrar pessoas



Comédia sobre religião que causou protestos no Brasil e nos EUA estréia hoje em apenas 22 dos 80 cinemas planejados



TFP, organização católica que pediu a proibição do filme, ainda não decidiu se vai fazer manifestações hoje


IVAN FINOTTI
da Reportagem Local

Apedrejada por uma campanha que incluiu manifestações nas ruas, petições ao ministro da Justiça e abaixo-assinados ao vice-presidente da República, a comédia norte-americana "Dogma" estréia hoje no Brasil, país com cerca de 130 milhões de católicos.
O levante contra o filme deu certo. Há 40 dias, a Lumière pretendia lançar "Dogma" em 80 cinemas no país. Hoje o filme estréia em apenas 22 salas de oito cidades (27,5% do planejado), a maioria delas especializada em filmes alternativos ou de arte.
"O exibidor ficou assustado com essa polêmica. A campanha conseguiu inibi-los. Não posso condená-los. Ninguém quer confusão", diz Bruno Wainer, diretor-executivo da distribuidora Lumière.
Mas se a gritaria católica conseguiu fazer com que redes de cinemas como Cinemark, UCI e Luiz Severiano Ribeiro se recusassem a mostrar o filme, por outro lado serviu para chamar a atenção do público. Nas seis cidades em que houve pré-estréia, nesse último fim-de-semana, todas as sessões estiveram lotadas.
O movimento católico ultraconservador Tradição, Família e Propriedade (TFP), que saiu às ruas em pelo menos duas ocasiões para protestar contra "Dogma", ainda não havia decidido, até ontem à tarde, se fará manifestações nas portas dos cinemas.
Há duas semanas, a organização entregou uma pilha de 162 mil petições assinadas ao ministro da Justiça, José Carlos Dias. As petições pediam a proibição pura e simples do filme, ato proibido pela Constituição de 1988.
O máximo que o Ministério da Justiça pode fazer -e fez- é indicar o filme para maiores de 18 anos. A secretária nacional de Justiça, Elizabeth Sussekind, responsável pela Departamento de Classificação Indicativa, determinou a restrição citando cenas de "extrema violência e de uso de drogas".
Quanto às "blasfêmias" condenadas pela TFP, incluem-se Alanis Morissette no papel de Deus, Virgem Maria ter tido filhos após Jesus, uma de suas descendentes trabalhar numa clínica de aborto, anjos assassinarem pessoas etc.
O filme, dirigido pelo norte-americano Kevin Smith (de "Procura-se Amy", 1997), conta a história de dois anjos caídos, Loki (Matt Damon) e Bartleby (Ben Affleck), que querem voltar ao Paraíso. Para impedi-los, um serafim convoca a última descendente de Cristo, Bethany (Linda Fiorentino). Ela será ajudada pela Musa (Salma Hayek), que ganha a vida fazendo striptease.
Ao contrário da TFP, a Igreja Católica preferiu não fazer comentários oficiais sobre "Dogma". A Folha apurou que alguns dos bispos da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) se reuniram para discutir a fita. E resolveram não se pronunciar por a considerarem de baixa qualidade.
O fato é que a CNBB não quer repetir a polêmica criada em 1986, quando, a pedido dela, o presidente José Sarney proibiu a exibição do filme "Je Vous Salue Marie", de Jean-Luc Godard.
Talvez mais "ultrajante" que "Dogma" seja o curta que vai abrir as sessões em alguns dos cinemas do país. A animação "Deus é Pai", do gaúcho Allan Sieber, mostra Jesus Cristo e Deus discutindo de forma áspera, para dizer o mínimo, no consultório de uma psicóloga.
Em São Paulo, apenas o Cinearte exibe o curta. No Rio, apenas duas salas (Odeon, no centro, e Estação Botafogo), entre as sete que mostrarão "Dogma".

"Satânica trama"
Além das petições enviadas ao ministro da Justiça e de um abaixo-assinado organizado para ser entregue ao vice-presidente, Marco Maciel, diversos católicos manifestaram seu repúdio diretamente para a distribuidora Lumière. Segundo uma funcionária, um homem que se declarou contrário à exibição chamou-a de "vagabunda" pelo telefone.
Das cerca de 30 cartas enviadas -a maioria delas respeitosa-, muitas conclamavam os funcionários da Lumière a lerem a Bíblia e a se arrependerem.
Uma delas alertava para a possibilidade de "um grande castigo para a humanidade", caso "Dogma" fosse lançado.
Entre os adjetivos usados para definir o filme, foram escritos "famigerado", "absurdo", "infame", "doentio", "imoral", "pervertido", "cínico", "nojento", "mentiroso", "desrespeitoso", "ofensivo", "peste", "droga" e "mau".
Foram lembrados também "afronta à fé cristã", "satânica trama", "filme-ofensa", "diabólica obra", "anticristão" e "que zomba dos valores sociais".
A única carta mais irada que chegou à Lumière trazia uma ameaça pouco usual: "Sugiro a vocês que parem de desmoralizar a população católica, porque, se não pararem, eu vou denunciar todos no "Programa do Ratinho'".


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