São Paulo, quarta-feira, 21 de janeiro de 2004

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ANÁLISE

Aparelhos de TV contrastam com programas

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

No fim do ano comprei uma televisão nova. Ossos do ofício. Pude experimentar os mais diversos recursos.
Alguns modelos permitem brincar com o formato da imagem. Achatam personagens alongando o quadro de forma a atingir as proporções de cinema. Há um zoom não muito dirigido, mas um zoom. É possível assistir mais de um canal ao mesmo tempo, ver pequenos replays, fazer câmera lenta etc.
Design moderno e funções sofisticadas, os televisores vão ganhando funções simples de edição. Mas vão também se aproximando formalmente da idéia original de tela, o suporte da pintura, o quadro emoldurado na parede.
As TVs atuais parecem querer enobrecer aquele aparelho que o velho Fellini, ironicamente, classificava como um eletrodoméstico. A tela plana tornou praticamente obsoleta a boa forma convexa, substituindo-a por linhas retas, elegantes e afiadas.
Os aparelhos "widescreen" prometem superar o formato quadrado da TV convencional -mesmo que ainda sejam poucos os programas transmitidos nas proporções adequadas.
As telas de plasma, leves painéis pouco espessos talvez representem o auge nessa trajetória. A imagem que esses aparelhos do futuro transmitem é nítida. Elegantemente dependurados na parede, esses televisores fazem às vezes de quadros que interrompem e iluminam paredes, transmitindo a sensação de transparência.
Com aparelhos modernos, a TV se esmera em realizar o apelo que as pinturas pré-perspectiva já prometiam e que os primeiros manuais de televisores americanos na década de 50 renovaram: "uma janela para o mundo".
Infelizmente o aprimoramento dos aparelhos contrasta com a mesmice da programação. A pretensão do invólucro trai a despretensão do conteúdo. Na posição de telespectadores, fazemos o que podemos. O investimento em aparelhos novos aguça as exigências dos sentidos.
O verão está cheio de tentativas. Dezembro foi recheado de balões de ensaio. Janeiro começou pleno de estréias. Há exceções, como o quadro de Regina Casé sobre São Paulo no "Fantástico" (o último vai ao ar no próximo domingo, aniversário da cidade). Mas entre "reality shows", programas de auditório, minisséries e seriados, infelizmente há pouca coragem de investir em novos formatos de qualidade. Seria bom se no novo ano a produção de conteúdo acompanhasse o ímpeto das renovações tecnológicas.


Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP

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