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ANÁLISE
Aparelhos de TV contrastam com programas
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
No fim do ano comprei uma
televisão nova. Ossos do ofício. Pude experimentar os mais
diversos recursos.
Alguns modelos permitem
brincar com o formato da imagem. Achatam personagens alongando o quadro de forma a atingir
as proporções de cinema. Há um
zoom não muito dirigido, mas
um zoom. É possível assistir mais
de um canal ao mesmo tempo, ver
pequenos replays, fazer câmera
lenta etc.
Design moderno e funções sofisticadas, os televisores vão ganhando funções simples de edição. Mas vão também se aproximando formalmente da idéia original de tela, o suporte da pintura,
o quadro emoldurado na parede.
As TVs atuais parecem querer
enobrecer aquele aparelho que o
velho Fellini, ironicamente, classificava como um eletrodoméstico.
A tela plana tornou praticamente
obsoleta a boa forma convexa,
substituindo-a por linhas retas,
elegantes e afiadas.
Os aparelhos "widescreen" prometem superar o formato quadrado da TV convencional
-mesmo que ainda sejam poucos os programas transmitidos
nas proporções adequadas.
As telas de plasma, leves painéis
pouco espessos talvez representem o auge nessa trajetória. A
imagem que esses aparelhos do
futuro transmitem é nítida. Elegantemente dependurados na parede, esses televisores fazem às vezes de quadros que interrompem
e iluminam paredes, transmitindo a sensação de transparência.
Com aparelhos modernos, a TV
se esmera em realizar o apelo que
as pinturas pré-perspectiva já
prometiam e que os primeiros
manuais de televisores americanos na década de 50 renovaram:
"uma janela para o mundo".
Infelizmente o aprimoramento
dos aparelhos contrasta com a
mesmice da programação. A pretensão do invólucro trai a despretensão do conteúdo. Na posição
de telespectadores, fazemos o que
podemos. O investimento em
aparelhos novos aguça as exigências dos sentidos.
O verão está cheio de tentativas.
Dezembro foi recheado de balões
de ensaio. Janeiro começou pleno
de estréias. Há exceções, como o
quadro de Regina Casé sobre São
Paulo no "Fantástico" (o último
vai ao ar no próximo domingo,
aniversário da cidade). Mas entre
"reality shows", programas de auditório, minisséries e seriados, infelizmente há pouca coragem de
investir em novos formatos de
qualidade. Seria bom se no novo
ano a produção de conteúdo
acompanhasse o ímpeto das renovações tecnológicas.
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
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