|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Livro traz fotos de rabiscos de rua e registros de agenda de pichador, que defende a estética do garrancho
A arte do "pixo"
EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL
Retilíneos e angulosos como a
silhueta da cidade, os polêmicos
traços das pichações de São Paulo
voltam a ter seu suposto caráter
artístico discutido, por conta do
lançamento de um livro: em edição bilíngüe, "Ttsss....A Grande
Arte da Pixação em São Paulo,
Brasil" reúne imagens das ações
de pichadores, registros de pichações pela cidade, um ensaio da artista plástica Pinky Wainer, uma
crônica do colunista da Folha Xico Sá, e reproduções da agenda do
grafiteiro Daniel Medeiros, o Boleta, organizador do volume.
Ponto de partida do livro, a
agenda é uma espécie de diário
que, segundo Boleta, todo pichador que se preza tem. Suas páginas exibem convites para ações e
encontros nos "points" e "participações especiais" de colegas do
"pixo". Assim mesmo, com x, como eles preferem, rebelando-se
contra a norma culta.
"São assinaturas colhidas entre
1988 e 1998, até de pessoas que já
morreram", conta Boleta, cujos
registros dividem as páginas do livro com imagens de João Wainer,
colaborador da Folha. Boleta ressalva que a intenção não era fazer
uma enciclopédia, mas mostrar
"um trisquinho" de sua arte.
"Se o papel da arte é incomodar,
então pichação é arte", defende
ele -talvez esquecendo que há
muita coisa que incomoda e, definitivamente, não é arte.
O livro apresenta fotos de pichações, novas ou do arquivo de
Wainer, feitas no centro (ruas Augusta, Consolação), na avenida
Brasil, na Vila Madalena, em Pinheiros e na periferia da cidade.
Wainer também registrou uma
ação em que Boleta picha o nome
de sua gangue (coletivo de pichadores), a Vício, numa mureta da
av. Doutor Arnaldo.
Grifes e gangues
As reproduções da agenda de
Boleta dão uma idéia de como se
expressam os pichadores. Com o
alfabeto próprio, eles obedecem a
uma hierarquia na distribuição de
suas assinaturas: em primeiro lugar vem a da grife, nome dado a
um grupo de gangues; depois vem
a da gangue e, por fim, a pessoal.
Numa página de "Ttsss..." é possível ler "Zé", da gangue "Lixomania", da grife "Nada Somos", como mostra o quadro abaixo.
Segundo Boleta, que já até deu
palestras sobre o assunto, as primeiras manifestações de pichação
no Brasil datam dos anos 60. Surgiram como protesto (contra a ditadura, por exemplo) ou propaganda, e, dos anos 80 para cá, com
o movimento punk, evoluíram
para formas caligráficas que identificam pichadores.
"A criatividade dos brasileiros
foi transformando e criando uma
escrita que é única em todo o
mundo. Há pessoas que vêm de
fora pesquisar, para usar como
fonte em programas de computador", diz Boleta, lembrando que o
boom da pichação foi nos anos 90.
Até pouco tempo atrás, conta
Boleta, havia hostilidade entre as
gangues. Os pichadores costumavam marcar território cobrindo o
trabalho de seus adversários com
suas próprias assinaturas. Malvisto no meio, esse tipo de ação foi
dando lugar para uma busca por
"ibope", em que a quantidade e o
grau de dificuldade, como altura,
pesam na avaliação.
"Ninguém precisa falar que o
Ronaldinho Gaúcho joga bem.
Quem faz sempre sabe, porque
está de olho no que surge na cidade", sustenta Boleta.
Alguns exemplos da caligrafia
do "pixo" de São Paulo foram
pinçados por Boleta de sua agenda e repetidos nas últimas páginas
do livro, num alfabeto completo.
Somente para a letra "a" existem
duas páginas, com 24 variantes,
algumas delas criadas especialmente para o lançamento. Uma
característica comum são os ângulos retos.
"No Rio ou em Minas Gerais, as
pichações acompanham as curvas
dos morros e montanhas. Em São
Paulo elas são mais retas. É um reflexo da metrópole."
Ttsss... A Grande Arte da Pixação em São Paulo, Brasil
Organizador: Daniel Medeiros, o Boleta
Editora: do Bispo (lançamento no dia
29/01, vendas pelo site
www.editoradobispo.com.br)
Quanto: R$ 68 (152 págs.)
Texto Anterior: Vitrine brasileira Próximo Texto: Comentário: Atividade expõe tensão entre direitos Índice
|