São Paulo, sábado, 21 de janeiro de 2006

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Livro traz fotos de rabiscos de rua e registros de agenda de pichador, que defende a estética do garrancho

A arte do "pixo"

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

Retilíneos e angulosos como a silhueta da cidade, os polêmicos traços das pichações de São Paulo voltam a ter seu suposto caráter artístico discutido, por conta do lançamento de um livro: em edição bilíngüe, "Ttsss....A Grande Arte da Pixação em São Paulo, Brasil" reúne imagens das ações de pichadores, registros de pichações pela cidade, um ensaio da artista plástica Pinky Wainer, uma crônica do colunista da Folha Xico Sá, e reproduções da agenda do grafiteiro Daniel Medeiros, o Boleta, organizador do volume.
Ponto de partida do livro, a agenda é uma espécie de diário que, segundo Boleta, todo pichador que se preza tem. Suas páginas exibem convites para ações e encontros nos "points" e "participações especiais" de colegas do "pixo". Assim mesmo, com x, como eles preferem, rebelando-se contra a norma culta.
"São assinaturas colhidas entre 1988 e 1998, até de pessoas que já morreram", conta Boleta, cujos registros dividem as páginas do livro com imagens de João Wainer, colaborador da Folha. Boleta ressalva que a intenção não era fazer uma enciclopédia, mas mostrar "um trisquinho" de sua arte.
"Se o papel da arte é incomodar, então pichação é arte", defende ele -talvez esquecendo que há muita coisa que incomoda e, definitivamente, não é arte.
O livro apresenta fotos de pichações, novas ou do arquivo de Wainer, feitas no centro (ruas Augusta, Consolação), na avenida Brasil, na Vila Madalena, em Pinheiros e na periferia da cidade. Wainer também registrou uma ação em que Boleta picha o nome de sua gangue (coletivo de pichadores), a Vício, numa mureta da av. Doutor Arnaldo.

Grifes e gangues
As reproduções da agenda de Boleta dão uma idéia de como se expressam os pichadores. Com o alfabeto próprio, eles obedecem a uma hierarquia na distribuição de suas assinaturas: em primeiro lugar vem a da grife, nome dado a um grupo de gangues; depois vem a da gangue e, por fim, a pessoal. Numa página de "Ttsss..." é possível ler "Zé", da gangue "Lixomania", da grife "Nada Somos", como mostra o quadro abaixo.
Segundo Boleta, que já até deu palestras sobre o assunto, as primeiras manifestações de pichação no Brasil datam dos anos 60. Surgiram como protesto (contra a ditadura, por exemplo) ou propaganda, e, dos anos 80 para cá, com o movimento punk, evoluíram para formas caligráficas que identificam pichadores.
"A criatividade dos brasileiros foi transformando e criando uma escrita que é única em todo o mundo. Há pessoas que vêm de fora pesquisar, para usar como fonte em programas de computador", diz Boleta, lembrando que o boom da pichação foi nos anos 90.
Até pouco tempo atrás, conta Boleta, havia hostilidade entre as gangues. Os pichadores costumavam marcar território cobrindo o trabalho de seus adversários com suas próprias assinaturas. Malvisto no meio, esse tipo de ação foi dando lugar para uma busca por "ibope", em que a quantidade e o grau de dificuldade, como altura, pesam na avaliação.
"Ninguém precisa falar que o Ronaldinho Gaúcho joga bem. Quem faz sempre sabe, porque está de olho no que surge na cidade", sustenta Boleta.
Alguns exemplos da caligrafia do "pixo" de São Paulo foram pinçados por Boleta de sua agenda e repetidos nas últimas páginas do livro, num alfabeto completo. Somente para a letra "a" existem duas páginas, com 24 variantes, algumas delas criadas especialmente para o lançamento. Uma característica comum são os ângulos retos.
"No Rio ou em Minas Gerais, as pichações acompanham as curvas dos morros e montanhas. Em São Paulo elas são mais retas. É um reflexo da metrópole."


Ttsss... A Grande Arte da Pixação em São Paulo, Brasil
Organizador: Daniel Medeiros, o Boleta
Editora: do Bispo (lançamento no dia 29/01, vendas pelo site www.editoradobispo.com.br)
Quanto: R$ 68 (152 págs.)


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