São Paulo, sábado, 21 de janeiro de 2006

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COMENTÁRIO

Atividade expõe tensão entre direitos

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

A pichação é uma das expressões mais visíveis da invisibilidade humana. São mais do que rabiscos. São uma forma de estabelecer uma relação de pertencimento com a comunidade -mesmo que por meio da agressão- e, ao mesmo tempo, de dar ao autor um sentido de auto-identidade. Naqueles garranchos incompreensíveis para muitos, a arte mistura-se à necessidade de dizer simplesmente "eu existo, preste atenção em mim". Note-se que os pichadores não subiram nos prédios para assaltar, mas apenas para desenhar.
Esse grito de existência em forma de letras é, portanto, a busca de uma aceitação, mas usando a transgressão. E, nisso, surge um foco de tensão. Desconta-se a transgressão na sociedade que exclui, enquanto, num círculo vicioso, os garranchos mantêm os pichadores excluídos. Quem não vê a pichação por esse lado não entende todo um mundo subterrâneo que, do seu jeito, busca a luz.
Mas a pichação -e aí está seu lado mais polêmico- acaba por impingir, na marra, sem direito à opção, uma estética. Obriga-se o dono de um muro ou da fachada de uma casa a aceitar aquela expressão, como se tivesse de ostentar a lembrança da marginalidade alheia. Se muitos deles são movidos por um direito ferido -o da expressão-, eles ferem o direito dos outros de pintarem suas casas como bem entenderem.
Tenho acompanhado uma experiência na qual pichadores são convidados a estilizar suas letras e queimá-las em cerâmica, para recuperar os muros do Cemitério São Paulo, na Vila Madalena.
A autorização para as intervenções não os afastou. Pelo contrário. Até ficaram satisfeitos em ver as letras ampliadas, muito visíveis e coloridas, como parte de uma grande instalação. Como estão feitos em cerâmica, aqueles desenhos deixam de ser passageiros. Ganham mais permanência. A transgressão, nesse caso, soube encontrar um ponto de equilíbrio com a comunidade.


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