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COMENTÁRIO
Atividade expõe tensão entre direitos
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
A pichação é uma das expressões mais visíveis da invisibilidade humana. São mais do
que rabiscos. São uma forma de
estabelecer uma relação de pertencimento com a comunidade
-mesmo que por meio da agressão- e, ao mesmo tempo, de dar
ao autor um sentido de auto-identidade. Naqueles garranchos
incompreensíveis para muitos, a
arte mistura-se à necessidade de
dizer simplesmente "eu existo,
preste atenção em mim". Note-se
que os pichadores não subiram
nos prédios para assaltar, mas
apenas para desenhar.
Esse grito de existência em forma de letras é, portanto, a busca
de uma aceitação, mas usando a
transgressão. E, nisso, surge um
foco de tensão. Desconta-se a
transgressão na sociedade que exclui, enquanto, num círculo vicioso, os garranchos mantêm os pichadores excluídos. Quem não vê
a pichação por esse lado não entende todo um mundo subterrâneo que, do seu jeito, busca a luz.
Mas a pichação -e aí está seu
lado mais polêmico- acaba por
impingir, na marra, sem direito à
opção, uma estética. Obriga-se o
dono de um muro ou da fachada
de uma casa a aceitar aquela expressão, como se tivesse de ostentar a lembrança da marginalidade
alheia. Se muitos deles são movidos por um direito ferido -o da
expressão-, eles ferem o direito
dos outros de pintarem suas casas
como bem entenderem.
Tenho acompanhado uma experiência na qual pichadores são
convidados a estilizar suas letras e
queimá-las em cerâmica, para recuperar os muros do Cemitério
São Paulo, na Vila Madalena.
A autorização para as intervenções não os afastou. Pelo contrário. Até ficaram satisfeitos em ver
as letras ampliadas, muito visíveis
e coloridas, como parte de uma
grande instalação. Como estão
feitos em cerâmica, aqueles desenhos deixam de ser passageiros.
Ganham mais permanência. A
transgressão, nesse caso, soube
encontrar um ponto de equilíbrio
com a comunidade.
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