|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O povo contra (e a favor de)
Eminem
O mais polêmico artista pop de tempos recentes é a estrela do Grammy, o Oscar da música, que anuncia hoje os premiados
LÚCIO RIBEIRO
DA REPORTAGEM LOCAL
O mais insolente, violento, amedrontador, desbocado e rebelde
fenômeno pop de tempos recentes estará em ação hoje à noite na
festa do Grammy. Sim, você leu
certo: no Grammy, o mais previsível, datado, politicamente correto
e careta prêmio da música, que a
indústria discográfica americana
criou para bajular a si mesma.
Até o exato instante em que o
mestre-de-cerimônias Jon Stewart anunciar "senhoras e senhores, com vocês, Eminem", o artista em questão já terá acumulado,
em sua curtíssima carreira, prêmios de melhor revelação do rap;
melhor disco de 1999, com o CD,
"Slim Shady LP"; melhor disco de
2000, com "The Marshall Mathers
LP", que está há 38 semanas na
parada da "Billboard"; artista do
ano em 2000 por um sem-número de publicações especializadas.
Só que o vasto currículo do rapper branco mostra que ele é "premiado" também quando se tratam de acusações de homofobia,
violência contra a mulher, processos movidos pela própria mãe;
canções proibidas em rádio.
O divertido é ver que o
Grammy, famoso por ter Sting
como exemplo máximo de rebeldia e que faz Lionel Ritchie vencer
Bruce Springsteen, não pôde evitar a encrenca Eminem.
""The Marshall Mathers LP" é o
mais repugnante disco do ano",
afirmou Michael Greene, presidente da National Academy of
Recording Arts and Sciences,
uma espécie de academia da música, que promove o Grammy.
Enquanto isso o nome de Eminem saltava com quatro indicações da sacolinha de votos de
mais de 15 mil profissionais do
mercado de discos que opinam
efetivamente para a premiação.
Para desgosto de Greene, com
"The Marshall Mathers LP", que
já vendeu 10 milhões de cópias, o
rapper branco Eminem virou a
estrela do Grammy em sua 43ª
edição. Concorre a melhor álbum
de rap, melhor performance solo
de rap ("The Real Slim Shady"),
melhor duo por seu trabalho em
"Forgot about Dre", em parceria
com o rapper Dr. Dre, seu padrinho e passaporte para a aceitação
na comunidade negra do rap.
Falta uma indicação? Eminem é
o cara que concorre ao principal
prêmio da noite, o de melhor álbum do ano. E, mais inusitado, fará show conjunto esta noite com
Elton John, homossexual assumido, mas que adora o rapper.
Tão logo a lista de indicados foi
divulgada, em janeiro, a bomba
explodiu. Depois do anúncio, a
caixa de correio de cada membro
votante do Grammy logo iria conter duas correspondências: a cédula oficial com as indicações e
uma carta de "Não Vote em Eminem", postada pela Fundação de
Prevenção à Violência Familiar.
A Academia musical e a poderosa CBS, que transmite o prêmio,
também receberam a bronca.
Só por causa de Eminem, a polícia de Los Angeles resolveu, comparando com anos passados, dobrar o efetivo à porta do Staples
Center esta noite, onde correntes
pró e contra-Eminem devem disputar as atenções.
Eminem, que é M&M, que é
Marshall Mathers, nasceu Marshall Bruce Mathers 3º. Mas atende
também por Slim Shady, um heterônimo à la HQ.
É o mais quente artista a surgir
nos últimos anos. Sua música e
sua atitude fornecem vasto material para ser admirado ou execrado ou as duas coisas. Enquanto
promove extrema habilidade rítmica no exercício do rap, suas letras bombásticas muito bem colocadas na métrica de sua música
são um ultraje para muitos. E o
mais brilhante e verdadeiro filho
bastardo do sonho americano para outro tanto.
De sua boca saem, a toda velocidade, palavras que narram um
cotidiano absurdo, violento e sem
solução de quem cresceu à margem da civilização e esmagado
"pela sociedade", em uma periferia qualquer de Detroit. O tema
não chega a chocar quem, no Brasil, conhece Racionais MCs.
"Deus me enviou para encher o
saco do mundo (to piss the world
off)", avisou Eminem em seu primeiro torpedo rumo à fama, a
canção "My Name Is". Não é heresia falar que é bem-sucedido em
sua missão.
Mas o rapper lembra a auto-destruição de outros músicos-fenômenos, como Kurt Cobain e
Tupac Shakur. E a aposta é que
seu alter ego vai levá-lo ao mesmo
fim dos artistas citados: ou se mata, como o Cobain, ou será morto,
como o segundo.
Impressiona a sinceridade com
que canta o hit "The Way I Am",
quando diz que se sente tão cansado por ser admirado que gostaria de morrer.
A Folha participou de uma restrita entrevista coletiva com Eminem em St. Louis, em novembro
último, horas antes de o artista
realizar mais um show da Turnê
do Ódio, o festival itinerante mais
badalado desde o Lollapalooza.
O clima formado até o rapper
aparecer para a conversa era o de
que o entrevistado seria o Unabomber, dado o vaivém de seguranças, lista de recomendações
(não pode isso, não pode aquilo),
ameaças de cancelamento.
Para Eminem chegar acompanhado de seis rappers, meia dúzia
de amigos e disparar: "Sou o que
está nas minhas letras, um dos
milhões de sujeitos que os EUA
esqueceram. Se isso faz sucesso,
ofende, não importa. Pelo menos
agora estão olhando para nós".
Recentemente, Eminem chegou
à Inglaterra para fazer sua primeira turnê como grande estrela,
uma vez que, por muito tempo,
não pôde sair do território americano, por questões judiciais.
Foi recebido no Reino Unido
com ovação por parte dos fãs, que
esgotaram todos os ingressos meses antes das apresentações, bajulação da indústria (vai cantar no
famoso Brit Awards, dia 26), banimento de suas canções nas rádios,
protestos de entidades gays.
Mas o curioso foi o tratamento
dos sisudos jornais ingleses. Um
crítico do "Times" chamou Eminem de gênio e o compara a
Dylan e Lennon. Para o "The
Guardian", o rapper sofre do mal
de Kurt Cobain, com quem vê paralelos no talento e na trajetória:
quanto mais está infeliz, maior
número de pessoas gosta dele.
Mas a definição que Eminem
mais gosta está na letra de "The
Way I Am": "Eu sou o que você
disser que eu sou".
Texto Anterior: Programação de TV Próximo Texto: "Evidências" sugerem que rapper é gay Índice
|