São Paulo, quarta-feira, 21 de fevereiro de 2001

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O povo contra (e a favor de)
Eminem

O mais polêmico artista pop de tempos recentes é a estrela do Grammy, o Oscar da música, que anuncia hoje os premiados

LÚCIO RIBEIRO
DA REPORTAGEM LOCAL

O mais insolente, violento, amedrontador, desbocado e rebelde fenômeno pop de tempos recentes estará em ação hoje à noite na festa do Grammy. Sim, você leu certo: no Grammy, o mais previsível, datado, politicamente correto e careta prêmio da música, que a indústria discográfica americana criou para bajular a si mesma.
Até o exato instante em que o mestre-de-cerimônias Jon Stewart anunciar "senhoras e senhores, com vocês, Eminem", o artista em questão já terá acumulado, em sua curtíssima carreira, prêmios de melhor revelação do rap; melhor disco de 1999, com o CD, "Slim Shady LP"; melhor disco de 2000, com "The Marshall Mathers LP", que está há 38 semanas na parada da "Billboard"; artista do ano em 2000 por um sem-número de publicações especializadas.
Só que o vasto currículo do rapper branco mostra que ele é "premiado" também quando se tratam de acusações de homofobia, violência contra a mulher, processos movidos pela própria mãe; canções proibidas em rádio.
O divertido é ver que o Grammy, famoso por ter Sting como exemplo máximo de rebeldia e que faz Lionel Ritchie vencer Bruce Springsteen, não pôde evitar a encrenca Eminem.
""The Marshall Mathers LP" é o mais repugnante disco do ano", afirmou Michael Greene, presidente da National Academy of Recording Arts and Sciences, uma espécie de academia da música, que promove o Grammy.
Enquanto isso o nome de Eminem saltava com quatro indicações da sacolinha de votos de mais de 15 mil profissionais do mercado de discos que opinam efetivamente para a premiação.
Para desgosto de Greene, com "The Marshall Mathers LP", que já vendeu 10 milhões de cópias, o rapper branco Eminem virou a estrela do Grammy em sua 43ª edição. Concorre a melhor álbum de rap, melhor performance solo de rap ("The Real Slim Shady"), melhor duo por seu trabalho em "Forgot about Dre", em parceria com o rapper Dr. Dre, seu padrinho e passaporte para a aceitação na comunidade negra do rap.
Falta uma indicação? Eminem é o cara que concorre ao principal prêmio da noite, o de melhor álbum do ano. E, mais inusitado, fará show conjunto esta noite com Elton John, homossexual assumido, mas que adora o rapper.
Tão logo a lista de indicados foi divulgada, em janeiro, a bomba explodiu. Depois do anúncio, a caixa de correio de cada membro votante do Grammy logo iria conter duas correspondências: a cédula oficial com as indicações e uma carta de "Não Vote em Eminem", postada pela Fundação de Prevenção à Violência Familiar.
A Academia musical e a poderosa CBS, que transmite o prêmio, também receberam a bronca.
Só por causa de Eminem, a polícia de Los Angeles resolveu, comparando com anos passados, dobrar o efetivo à porta do Staples Center esta noite, onde correntes pró e contra-Eminem devem disputar as atenções.
Eminem, que é M&M, que é Marshall Mathers, nasceu Marshall Bruce Mathers 3º. Mas atende também por Slim Shady, um heterônimo à la HQ.
É o mais quente artista a surgir nos últimos anos. Sua música e sua atitude fornecem vasto material para ser admirado ou execrado ou as duas coisas. Enquanto promove extrema habilidade rítmica no exercício do rap, suas letras bombásticas muito bem colocadas na métrica de sua música são um ultraje para muitos. E o mais brilhante e verdadeiro filho bastardo do sonho americano para outro tanto.
De sua boca saem, a toda velocidade, palavras que narram um cotidiano absurdo, violento e sem solução de quem cresceu à margem da civilização e esmagado "pela sociedade", em uma periferia qualquer de Detroit. O tema não chega a chocar quem, no Brasil, conhece Racionais MCs.
"Deus me enviou para encher o saco do mundo (to piss the world off)", avisou Eminem em seu primeiro torpedo rumo à fama, a canção "My Name Is". Não é heresia falar que é bem-sucedido em sua missão.
Mas o rapper lembra a auto-destruição de outros músicos-fenômenos, como Kurt Cobain e Tupac Shakur. E a aposta é que seu alter ego vai levá-lo ao mesmo fim dos artistas citados: ou se mata, como o Cobain, ou será morto, como o segundo.
Impressiona a sinceridade com que canta o hit "The Way I Am", quando diz que se sente tão cansado por ser admirado que gostaria de morrer.
A Folha participou de uma restrita entrevista coletiva com Eminem em St. Louis, em novembro último, horas antes de o artista realizar mais um show da Turnê do Ódio, o festival itinerante mais badalado desde o Lollapalooza.
O clima formado até o rapper aparecer para a conversa era o de que o entrevistado seria o Unabomber, dado o vaivém de seguranças, lista de recomendações (não pode isso, não pode aquilo), ameaças de cancelamento.
Para Eminem chegar acompanhado de seis rappers, meia dúzia de amigos e disparar: "Sou o que está nas minhas letras, um dos milhões de sujeitos que os EUA esqueceram. Se isso faz sucesso, ofende, não importa. Pelo menos agora estão olhando para nós".
Recentemente, Eminem chegou à Inglaterra para fazer sua primeira turnê como grande estrela, uma vez que, por muito tempo, não pôde sair do território americano, por questões judiciais.
Foi recebido no Reino Unido com ovação por parte dos fãs, que esgotaram todos os ingressos meses antes das apresentações, bajulação da indústria (vai cantar no famoso Brit Awards, dia 26), banimento de suas canções nas rádios, protestos de entidades gays.
Mas o curioso foi o tratamento dos sisudos jornais ingleses. Um crítico do "Times" chamou Eminem de gênio e o compara a Dylan e Lennon. Para o "The Guardian", o rapper sofre do mal de Kurt Cobain, com quem vê paralelos no talento e na trajetória: quanto mais está infeliz, maior número de pessoas gosta dele.
Mas a definição que Eminem mais gosta está na letra de "The Way I Am": "Eu sou o que você disser que eu sou".


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