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São Paulo, sexta-feira, 21 de fevereiro de 2003

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"SIMPLESMENTE MARTHA"

Filme questiona a mulher moderna

Divulgação
Martina Gedeck, protagonista do filme "Simplesmente Martha"


TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

"Simplesmente Martha" pertence a um gênero em ascensão no mercado cinematográfico, o dos filmes de "mulheres emancipadas mas infelizes" feitos para "mulheres emancipadas mas infelizes".
Houve um tempo em que a emancipação social e sexual das mulheres era celebrada sem culpa nos cinemas: na era pré-Código Hays do cinema americano. Com a implementação do código de autocensura em Hollywood, a emancipação feminina fez-se canto de sereia: usualmente retratada como manipuladora e interesseira, a mulher moderna tornou-se "mulher fatal". Coube às feministas americanas dos anos 70 rechaçar o moralismo patriarcalista dessa visão.
Filmes como "Simplesmente Martha" provam que o público feminino impôs os seus direitos, ao menos os de consumidor. O problema está um pouco aí: filmes do gênero são sempre produtos concebidos e embalados por demais conscientemente para seu público-alvo. Produtos que oferecem um "happy end" para as crises afetivas e existenciais da mulher moderna.
Para muitos autores do cinema moderno europeu dos anos 50/ 60, é bem verdade que quase sempre homens e ressentidos, tal conciliação era uma improbabilidade: o amor parecia ser um sentimento obsoleto na sociedade moderna. A emancipação feminina estava no cerne da "crise de casal" tematizada nos maiores clássicos dessa geração.
Personagens como a protagonista de "Simplesmente Martha", filme da alemã Sandra Nettelbeck, são a prova de que o prognóstico não estava de todo errado: Martha (Martina Gedeck) é uma mulher que, à custa da afirmação profissional, tornou-se rígida demais para amar, é uma chef que cria pratos com precisão, mas sem amor. Ela perde, em plena crise afetiva, a única amiga, a irmã, que lhe lega a sobrinha. Eis o primeiro clichê a que Nettelbeck recorre: o do adulto rígido que tem as amarras quebradas pelo convívio com uma criança.
Para piorar, entra em cena o personagem-clichê de Sergio Castellitto, Mario, um chef de cozinha italiano excêntrico que cozinha, antes de tudo, com muito amor. A função do personagem é aguçar tanto o instinto competitivo da profissional quanto o instinto sexual da mulher. Nettelbeck concilia assim a afirmação sexual de Martha com sua reafirmação profissional. É através de Mario, inclusive, que Martha revifica a relação com a sobrinha, descobrindo, enfim, seu instinto materno.


Simplesmente Martha
Mostly Martha
  
Direção: Sandra Nettelbeck
Produção: Itália/Alemanha/Áustria/Suíça, 2001
Com: Martina Gedeck, Sergio Castellitto, Maxime Foerste
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco 2



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