São Paulo, sábado, 21 de fevereiro de 2004

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Cada um por si

Sem curadoria, a Arco, grande feira espanhola, oferece painel de justaposições aleatórias

FELIPE CHAIMOVICH
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

Arco espelha a Espanha. A Feira Internacional de Arte Contemporânea chega ao 25º aniversário fazendo de Madri local de aferição do mercado uma vez por ano. Mas a seriedade cultural garante ao evento o selo da monarquia. O vasto panorama encerrou-se no último dia 17. Reuniu 278 galerias locais e estrangeiras, distribuídas pelos pavilhões 7 e 9 do Parque de Exposições Juan Carlos 1º. Paralelamente, realizou-se o 2º Fórum Internacional de Especialistas em Arte Contemporânea, com 48 sessões.
A arte em um contexto de feira põe em xeque a necessidade da mediação do curador. Cada galeria leva uma seleção variada de obras, sejam de artistas por ela representados ou não. Os estandes são negociados por metro quadrado e divididos entre uma área expositiva e um depósito, servindo para estocar o que não coube exposto ou repor o já vendido.
Assim, cria-se um painel de justaposições aleatórias e cambiantes através das vendas. Lado a lado estão instantâneos de Andy Warhol e grandes telas de Dokoupil, mas logo Bruno Bischofberger muda tudo de lugar e entram em cena pinturas de Clemente ou um Francis Picabia.
O gigantismo do todo e a abundância das partes libertam as peças da obrigatoriedade do diálogo conceitual: é cada um por si. As arrumações variam da limpidez clínica da japonesa Mssohkan à exuberância sedutora do valenciano Luis Adelantado. Conforme avança, o visitante esquece das relações entre o diverso para centrar a atenção nos elementos isolados que mais lhe interessam.
A admissão do modernismo propõe uma tese sobre a história da arte. Embora o nome da feira enfoque o contemporâneo, há galerias que só trazem vanguardistas, como a Gmurzynska, de Colônia: Sônia e Roberto Delaunay, Malevich, Miró, Moholy-Nagy, Picasso e Torres-Garcia. A continuidade entre as duas metades do século 20 é reafirmada e possibilita descobertas raras e inusitadas, como uma seleção de construtivistas russos da década de 1920 e um cartaz convocatório da revolução surrealista, por Dali.
Entretanto as curadorias também têm espaço. Bordejando o interior de ambos pavilhões encontram-se "Project Rooms" e "Futuribles". Os primeiros são dedicados às individuais e, os segundos, a coletivas de artistas emergentes. Embora os curadores indicados pela feira possam convidar quem queiram para tais seções, as galerias representantes dos exibidos devem pagar uma dezena de milhar de dólares pela participação, limitando-se à liberdade curatorial ao trabalho com estabelecimentos que possam arcar com os custos. Além disso, todas as obras estão à venda.
Contudo há soluções criativas, como a divisão de custos entre a Sala Mendoza, de Caracas, e a Roebling Hall, de Nova Iorque. Juntando ambas num mesmo estande, a curadora Julieta González garantiu a arte experimental.
Fundações espanholas sem fins lucrativos também se fazem presentes, sejam de Tenerife, Canárias, Burgos, Málaga, Navarra, Valencia, Cantábria ou Badajoz. A Caja de Madri mostrou os premiados do programa de bolsistas "Generación 2004", ligado ao centro La Casa Encendida, pólo da arte jovem madrilenha.
A multiplicidade de aspectos envolvidos no projeto da Arco é reconhecida pela participação da família real espanhola. O rei Juan Carlos 1º é o presidente de honra da feira e, a inauguração, no dia 11, foi feita pela rainha Sofia, cujo país de ascendência, a Grécia, foi homenageado neste ano.
A monarquia parlamentar espanhola sinaliza sua adesão a um projeto de cultura globalizada que fortalece organismos reflexivos locais. O dinamismo do comércio é usado para criar um público nacional para a contemporaneidade artística por meio da concentração multitudinária de visitantes.


Felipe Chaimovich viajou a Madri a convite do 2º Fórum Internacional de Especialistas em Arte Contemporânea

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