São Paulo, sábado, 21 de fevereiro de 1998

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Você sabe quem é Edson Gomes?

Aos 42 anos, o cantor, que elegeu o reggae convencional (sem exaltar o uso da maconha) e as causas negras, está alheio à euforia carnavalesca e à febre da axé music

Edson Ruiz/Folha Imagem
O cantor baiano Edson Gomes, em Salvador


PAULO VIEIRA
especial para a Folha, em Salvador

Ele é popularíssimo na Bahia, toca adoidado em pequenos bares e nos 3 em 1 domésticos, mas não espere encontrá-lo sobre um trio elétrico no circuito Barra-Ondina ou no desprestigiado Campo Grande-Pça. Castro Alves neste Carnaval de Salvador.
Quando muito, blocos como a Timbalada vão tocar músicas de seu último CD, "Apocalipse", para animar, como se diz na Bahia, a "galera".
Edson Gomes, "fenômeno de massa na Bahia", na definição de Carlinhos Brown, tem uma das carreiras artísticas mais insólitas do Brasil.
Ele tem sete discos (duas coletâneas) na praça, todos editados pela "major" fonográfica Emi-Odeon, mas mal colocou os pés em São Paulo ou Rio, onde é ignorado. Diz não encontrar espaço para se apresentar mesmo em Salvador, e por isso faz show pelo interior baiano e outras capitais próximas como Aracaju e Maceió.
Faz um reggae convencional, mas a maconha não aparece em suas composições ("seria como falar de cigarro ou bebida"), nem vê com bons olhos seu uso pela banda. Renega Jah, e mais ainda sua personificação no ditador etíope Haile Selassie (1892-1975), como querem os religiosos rastafaris.
Nem por isso, prescinde do vocabulário rastafari, como o uso recorrente da palavra Babilônia -que ela interpreta como "caos"- e não se furtou a compor "Etiópia", em que fala da anexação do país africano, à época dirigido por Selassie, à Itália de Mussolini, em 1935.
Mais contraditória parece ser sua relação com os camelôs, notáveis na Bahia por vender fitas piratas de seus discos. Gomes gravou em "Apocalipse", "Camelô", um desagravo à categoria, mas se recusa a autografar as fitas que eles comercializam.
Aos 42 anos, Gomes está na encruzilhada. Quer aparecer no sul do Brasil, mas não pode deixar sua platéia baiana; desinteressa-se pelas canções mais românticas de seu repertório, mas se vê compelido a tocá-las no bis; reclama uma valorização da auto-estima negra, mas não terá púlpito no Carnaval para divulgar a mensagem.
Mais que um cantor de reggae, Gomes se diz um cantor de protesto. "Antes de ouvir um disco de Peter Tosh e 'No Woman No Cry', de Marley, eu já tinha minhas letras de protesto, que usava num grupo de sambão", diz. "Ao descobrir o reggae, vi que era o veículo ideal para aquela mensagem."
A "mensagem" não aponta soluções. Ele prega a auto-estima negra ("está errado quando a senadora Benedita da Silva e a repórter negra da Globo alisam o cabelo"), quer ver negros elegendo candidatos negros ("mas negro não vota em negro", diz), mas nada disso está em suas letras. Lá, ele prefere falar da condição miserável da população pobre, da falta de escola, comida, saúde, sem apontar exatamente uma solução, exceto prognosticar uma possível fúria divina.
Não deixa de ser um ideário extravagante, num Estado dominado pela axé, que celebra o "estar juntinho", o fim-de-semana e explora a lascívia chã.
Gomes diz encontrar dificuldades para tocar em Salvador, que é para alguns, como Carlinhos Brown, a capital brasileira do reggae, superando em antiguidade e produção, São Luís (Maranhão). "Desde que fecharam a Concha Acústica, ficou mais difícil. Não consegui lançar 'Apocalipse' em Salvador."
Mesmo assim, Gomes mantém uma banda com 11 músicos. Nota o surgimento de novas bandas de reggae em Salvador, como o Morrão Fumegante.
A perseguição à maconha já o atrapalhou, mesmo sem fazer ele, em suas letras, qualquer alusão ao tema. "Quando descobrem que uma banda de reggae vai tocar na cidade, já acham que a maconha vai correr solta. Em Penedo (Alagoas), um juiz proibiu o acesso de adolescentes a um show em janeiro por essa razão. Tive prejuízo."
Ele anseia por tocar no Sudeste. "Não sei o que acontece. Jamais pertenci a outra gravadora, e não consigo fazer com que o trabalho toque no Rio e em São Paulo."
Na que seria uma das melhores oportunidades de mostrar seu trabalho nacionalmente, Gomes foi preterido. "A Globo resolveu produzir um especial para celebrar o aniversário da morte de Bob Marley e convidou vários artistas baianos. Netinho, Ivete Sangalo, Carlinhos Brown, todos de axé. E o pessoal que há tempos faz o reggae forte em Salvador, esses nem foram lembrados."



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