São Paulo, sábado, 21 de março de 1998

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U2
Show da banda irlandesa no país chega aos tribunais
Radiografia de uma megaconfusão

da Reportagem Local

O U2 já deixou o país há mais de um mês, mas o espetáculo da banda irlandesa continua nos bastidores, como um show fechado sem platéia. Até o momento, a confusão inclui acusações de calotes, sonegação, desvio de dinheiro e até ameaças de morte.
O Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) entrou na Justiça para receber o pagamento de direitos autorais. Pede R$ 650 mil -menos do que os 10% de bilheteria a que teria direito. Parte está depositada em juízo.
O empresário Franco Bruni, promotor do evento, entrou na Justiça contra a C&A, uma das patrocinadoras do show e responsável pela venda de ingressos, porque não concorda com a prestação de contas feita pela empresa. Ele diz que ainda tem entre R$ 1 milhão e R$ 2 milhões a receber.
A C&A entrou na Justiça contra Bruni. A empresa acusa o empresário de, sem autorização, ter retirado os ingressos de suas lojas para alterar preços e localizações por causa da mudança do local do concerto no Rio (era no Maracanã e passou para o Autódromo).
Segundo a empresa, 20 mil ingressos não foram devolvidos. "Talvez isso justifique a notícia que os próprios seguranças estavam vendendo ingressos como cambistas", diz Mauro Arruda, advogado da C&A.
Bruni diz que devolveu tudo que havia pego. A C&A contou, recontou e agora está verificando os canhotos um a um. Pela última contagem fechada pela C&A, no dia 6, foram arrecadados R$ 7.090.025. E 6.000 ingressos não foram vendidos em São Paulo. No Rio, ninguém sabe qual foi o encalhe.
A FB Promoções, Produções e Marketing -uma das duas empresas usadas por Bruni no evento (a outra é o Instituto Franco Bruni)- diz que entregou ingressos no valor de R$ 9,265 milhões. Bruni e a C&A discutem sobre a diferença entre os dois valores. Nas duas contas não entra o R$ 1,1 milhão referente a venda de cadeiras cativas do Morumbi.
Alheios a isso, os fornecedores ainda esperam o pagamento por seus serviços. O produtor do show, César Castanho, estima que a dívida chegue a R$ 200 mil. A C&A lava as mãos. "Nós somos como a Petrobrás na camisa do Flamengo", afirma Luis Felipe Chiriak, diretor da empresa.
E ainda falta pagar o ISS (Imposto Sobre Serviço) aos municípios.
Mas as confusões começaram antes e continuaram depois do show do Rio, no dia 28 de janeiro. A primeira irregularidade que merece atenção é a existência de pelo menos dois contratos diferentes. O que foi firmado com a banda -com quatro sub-contratos- não foi o que chegou ao Brasil -que tinha apenas dois sub-contratos (relativos aos cachês para banda e técnicos).
Não se sabe o destino das cláusulas que tratavam dos custos do aluguel da estrutura do show e do lucro da TNA e CPI (que negociam os shows da banda).
Os dois contratos também diferiam pelo número de páginas -de quase 50 para 17.
"Se existe algum outro contrato, isso não está dentro das normas da legislação", afirma o coronel Léo Cinelli, coordenador do departamento de Migração.
É bem verdade que não há indícios de subfaturamento no contrato. O cachê de quase R$ 1 milhão por show para os quatro membros do U2 é o maior já pago no Brasil. Oficialmente, pelo menos.
A Folha teve acesso aos documentos de remessa de dinheiro para o exterior, com registro no Banco Central e pagamento de Imposto de Renda na fonte. Fato, aliás, que dificultou a vinda do grupo. A TNA, que tem escritório em Bahamas -ilha do Caribe conhecida como refúgio de turistas e como paraíso fiscal-, não queria que houvesse desconto na fonte.
Em poucas coisas Bruni, C&A e MTV (co-promotora do evento) concordam. Uma delas é que os empresários da banda não queriam pagar imposto no Brasil. "Você nunca vai encontrar alguém que pagou tanto sindicato ou IR em um show só. Você sabe que qualquer outro faria um contrato diferente", afirma Bruni.
No showbizz, nem tudo é como parece ser. Parte da imprensa noticiou que a banda queria vir ao Brasil e estava disposta a ganhar menos para isso. Não foi bem assim. O show estava sendo negociado por US$ 5,9 milhões. Por causa da disputa de empresários interessados em trazer o U2, o preço saltou para US$ 8 milhões -mais de 33% de ágio. O total de gastos para trazer o grupo deve chegar a R$ 10 milhões, segundo André Mantovani, diretor da MTV.
Com tanta confusão antes e depois da vinda da banda, não é de se estranhar que o U2 tenha entrado para a história carioca menos pelo show realizado e mais por ter protagonizado o maior engarrafamento ocorrido no Rio. Fruto de desorganização condizente com o superlativo megashow.
Em São Paulo, enquanto as pessoas viam o U2, Castanho teria sido ameaçado de morte. Ele registrou um boletim de ocorrência, mas se recusa a falar sobre o assunto. (LUIZ ANTONIO RYFF)



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