São Paulo, sábado, 21 de março de 1998

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CRÍTICA
"Arlecchino" esvazia a Ópera de Arame

NELSON DE SÁ
enviado especial a Curitiba

No intervalo das quase três horas de "Arlecchino, Servidor de Dois Patrões", mais da metade do público da Ópera de Arame foi embora. No final, perto de 1h da manhã de ontem, a platéia estava reduzida a um quinto.
Não começou bem o Festival de Curitiba. As razões foram diversas, nem todas ligadas à qualidade do espetáculo, propriamente.
A Ópera de Arame, teatro belíssimo que é símbolo da atenção da cidade com a cultura, nunca resolveu seus problemas de acústica. Nas laterais, não se entende o que é falado -o que piorou com um ou dois atores de má dicção.
E a boca de cena é imensa, uma armadilha para alguns grupos que passam por lá, como o Galpão, no ano passado. O palco exige grandes elencos, encenações espetaculares, como a que Antônio Abujamra fez, também em 97.
Neste ano, a Cia. Teatro di Stravaganza caiu na armadilha com uma montagem quase sem cenário, de atenção fechada nos atores. O que não é nenhum defeito, mas conflita com as exigências ou deficiências da Ópera de Arame.
Mas a produção também é carregada de deficiências. A mais flagrante é o despreparo, talvez da direção de atores, mas certamente de algumas interpretações.
A comédia clássica de Carlo Goldoni (1707-98), derivada da commedia dell'arte que o elenco estudou e quer como que homenagear, exige um humor, embora popular, ao menos mais adulto -se não inteligente, esperto.
O grupo gaúcho, que dedicou boa parte de seu trabalho anterior a peças infantis, carrega vícios como o de todos falarem ao mesmo tempo, em irritante balbúrdia, e sobretudo o tom de voz falseado, paternal no pior sentido, a tratar o público como criança.
Não bastasse, a peça mantém parte do texto em italiano, resultando num muitas vezes tedioso sotaque do Brás, num arremedo de Adoniran Barbosa.
Por fim, o protagonista e elo das tramas românticas armadas por Goldoni, o ator/diretor Luiz Henrique Palese, o Arlecchino, não é um comediante inspirado. Tem uma ou outra boa passagem, mas humor não é seu forte.
Não tem o gosto do risco, do patético, que faz o comediante. Que faz Tiago Real, no papel do atacado Silvio, dominar o público com seus poucos e hilariantes gestos marcados.
Sinais da melhor comédia também estão presentes em Liane Venturella, Beatrice, e Evandro Soldatelli, Florindo.
Sinopse: a jovem Beatrice chega à cidade travestida, à procura de seu amado Florindo. Acaba tendo casamento marcado com Clarice, que por sua vez ama Silvio. Arlecchino é criado de Beatrice, depois se torna também criado de Florindo e arma uma confusão, até o final de casamento triplo.
Resultado de evidente e louvável pesquisa e não poucos ensaios, "Arlecchino" tem bonitos figurinos "de época" e uma concentração na interpretação "clownesca", sobretudo física.
O menor cuidado em contar a história ajuda a explicar a falta de ritmo que arrastou a apresentação.



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