São Paulo, sábado, 21 de abril de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A "autora" do "Livro da Criação", do "Livro da Arquitetur a" e do "Livro do Tempo" ganha publicação que resume sua carreira

A biblioteca de Lygia Pape

Artista apresenta no próximo mês novas obras na galeria Camargo Vilaça, em São Paulo

Reprodução
Parte da instalação "Roda dos Prazeres", que Lygia Pape criou em 1968; dezenas de bacias, em quatro cores alternadas provocam o olfato e o paladar


FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando a artista plástica Lygia Pape criou a instalação "Roda dos Prazeres", em 1968, ela dispôs num círculo 16 bacias, com quatro cores que se repetiam alternadamente. Em cada uma, um sabor diferente poderia ser degustado com um conta-gotas. Em um deles, a artista gostaria de colocar veneno.
Obviamente Pape não levou a cabo sua idéia, mas ela reflete bem o que a artista afirma ser uma de suas principais características: "Eu tento estender ao máximo o fio da expressão". Em "Roda", conta Pape, "o olhar é seduzido por uma cor, mas o paladar pode reagir de maneira diferente: o veneno seria uma das surpresas possíveis".
Com imagens de "Roda", foi lançado anteontem, no Rio, o livro "Gávea de Tocaia", que tem projeto gráfico da própria artista e da fotógrafa Paula Pape, sua filha. Ao mostrar "Roda", Pape faz uma homenagem: a pessoa retratada, experimentando a obra, de fato morreu, mas assassinada por grileiros.
"Procurei fazer um livro bem visual, foram três anos restaurando imagens e obras, além da produção de novas fotos; por isso, a participação da Paula foi fundamental", diz Pape.
De fato, das 336 páginas do livro, apenas 25 são compostas pelos três textos selecionados: de Mário Pedrosa, de Hélio Oiticica e do crítico inglês Guy Brett.
O tema livro pode ser considerado até uma obsessão no conjunto da obra de Pape, especialmente pela nova forma que a artista o desenvolveu. No final dos anos 50 e início dos 60, ela produziu uma série de três livros nos quais narrava a criação do mundo ("Livro da Criação", de 1959 e 60), a história dos estilos arquitetônicos ("Livro da Arquitetura", também de 1959 e 60) e as variações possíveis de um quadrado, realizadas em 365 dias de um ano ("Livro do Tempo", de 1960 e 61). O três estão em "Gávea de Tocaia".
Apesar de não obedecer a uma ordem cronológica ("não quis fazer um livro didático"), a publicação resume os 46 anos de carreira da artista, que passou por diversos movimentos. "Depois de ter participado dos grupos Frente, Concreto e Neoconcreto, hoje me considero uma artista free-lancer", brinca.
Grupos com grande coesão de princípios, eles estabeleceram os patamares artísticos nacionais nas décadas de 50 e 60. Entretanto foi junto com Lygia Clark e Hélio Oiticica, com quem participou da criação do grupo Neoconcreto, que Pape rompeu de fato com a tradição e estabeleceu novos rumos que marcaram definitivamente a produção brasileira contemporânea. Não só: justamente, a tríade é considerada a santíssima trindade dos artistas brasileiros no cenário internacional.
A participação do espectador, o trabalho com a subjetividade e o rompimento da moldura são algumas dessas características, que podem ser simbolizadas pelas obras "Bichos", de Lygia Clark, "Parangolés", de Oiticica, e "O Ovo", de Pape. Esta última, tema do texto de Oiticica em "Gávea de Tocaia".
Ao apresentar o "Livro da Arquitetura", na Americas Society, de Nova York, em março passado, no evento "Forma: Brazil", Pape teve a mesma reação do público que presenciou a criação da obra. "Meus trabalhos antigos têm um frescor, que, mesmo quando vistos hoje em dia, provocam surpresa." Além do "Livro da Arquitetura", Pape levou também o "Livro da Criação". Ela apresentou ainda vídeos do "Balé Neoconcreto" (1958), obra que foi reencenada no ano passado em uma retrospectiva no Museu Serralves, no Porto, em Portugal.
Ainda neste ano, Pape volta a Nova York, desta vez para a itinerância do Redescobrimento. Para lá, ela leva o "Manto Tupinambá" e o "Livro do Tempo".
Antes, a artista traz para São Paulo um conjunto com novas obras. A mostra será inaugurada no dia 24 de maio, na galeria Camargo Vilaça. Entre elas, Pape deve trazer uma versão de "Divisor" (1968). A obra original era um imenso tecido com buracos onde várias pessoas deveriam negociar sua participação. A nova, "Seu Particular", é composta por cabines individuais.
Pape pretende também trazer suas novas experimentações com poliuretano, um material que infla por reações químicas. "Esse material pode crescer de maneira direcionada, o que permite formas bem variadas", afirma. Outra obra que pode ser exposta é TTeia", grafada assim mesmo, nunca vista em São Paulo. "A montagem ainda não está definida, sempre levo várias obras e aí decido a partir do espaço", diz a artista.


GÁVEA DE TOCAIA. De: Lygia Pape (com programação visual de Lygia e Paula Pape). Editora: Cosac & Naif (tel. 0/xx/ 11/255-8808). Primeira edição, 336 págs. R$ 95.



Texto Anterior: Televisão: Campanha propõe boicote à TV
Próximo Texto: "Gávea de Tocaia": Livro é composto de belas imagens e textos pouco esclarecedores
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.