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Com projeto social e programas na TV, Jamie Oliver faz sucesso entre o
público britânico
Segredos de cozinha
À Folha, chef fala sobre sua relação com a mídia e a renovação da culinária inglesa
David Loftus/Divulgação
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O chef inglês Jamie Oliver, dono do restaurante Fitfeen, em Londres; ele ficou famoso por seus programas e livros de culinária |
ÉRICA FRAGA
DE LONDRES
Com jeito e rosto de moleque,
Jamie Oliver é simpático, divertido, polêmico e nem um pouco
modesto. Talvez não seja para
menos. Aos 29 anos, ele é a celebridade do momento no Reino
Unido. Já esbanjava fama por seus
bem-sucedidos programas de TV
e livros de culinária. Mas sua última conquista o alçou a um patamar superior no país: o chef revelou, em seu último show televisivo, a má qualidade das merendas
escolares britânicas, propôs uma
reforma na dieta e, de quebra,
conseguiu que o governo liberasse mais verba para a alimentação
dos alunos nas escolas públicas.
Em entrevista à Folha -a primeira à mídia brasileira-, Oliver
foi agressivo sobre a imprensa
londrina (invejosa de seu sucesso,
segundo ele), disse ter carinho pelos brasileiros (emprega dez deles
em seu badalado restaurante Fifteen, em Londres) e analisou que
uma antiga e boa culinária britânica vem sendo resgatada.
Animado, o chef -que também pode ser visto no Brasil (seu
programa "Truques de Oliver" é
transmitido pelo GNT)- se sacudiu na cadeira quando se referiu à
alegria dos brasileiros e disse que
gosta de pratos como feijoada e
"boninho de bacalau".
Confirmando que usa e abusa
de uma linguagem bem coloquial,
repetiu palavras como "shit"
(merda) e "fucking" (como forma
de acentuar os sentidos dos adjetivos que usava) várias vezes ao
longo da conversa. Leia a seguir
trechos da entrevista de Oliver.
Folha - Você está sendo tratado
como herói agora por parte da mídia, mas seu relacionamento com
imprensa e público britânicos não
foi sempre uma lua-de-mel.
Jamie Oliver - Não com o público, não com o público, o público
foi sempre doce.
Folha - Mas a imprensa dizia que
o público estava começando a se irritar contigo por causa da sua grande exposição, que era esnobe. Como se sente em relação a isso?
Oliver - Em três meses, eles me
darão um outro chute nas costas.
Não me deixarão seguir impune.
Você sabe, quer dizer, em duas semanas tive publicidade suficiente
para o ano todo. Nas próximas
três semanas, vai sair alguma
merda nos jornais. No Reino Unido, como um cara público, você
tem de estar preparado. Quando
os jornais estavam dizendo "você
é isso, você é aquilo", eu ligava para a emissora e perguntava: "As
pessoas não estão assistindo ao
programa?". E me respondiam:
"Você tem tido [audiência] mais
do que nunca, três vezes mais do
que qualquer outro nesse horário
da noite, em média".
A imprensa regional nunca foi
um problema, o público nunca foi
um problema. É, realmente, essa
relação de ódio e amor que eu tenho com a imprensa de Londres.
E isso acontece, basicamente, porque a maior parte das pessoas que
estão escrevendo tem, aproximadamente, a minha idade. São ciumentos, pequenos idiotas.
Folha - Seus programas também
são exibidos no Brasil e fazem relativo sucesso. O que você conhece
sobre o país?
Oliver - Nunca estive no Brasil.
Na minha experiência limitada
com os brasileiros, são pessoas
muito boas em celebrar coisas,
Carnaval, dança. Tudo que faço é
celebrar comida e me divertir.
Não digo o que as pessoas devem
fazer. Só digo o que eu faço. Não é
como uma pregação. Só tento me
divertir, e, provavelmente, eles [os
brasileiros] gostam disso. Quando soube que o programa é exibido no Brasil, fiquei muito feliz.
Em parte, porque trabalhei com
muitos brasileiros ao longo dos
anos, mas também porque alguns
anos atrás nunca pensaria que iria
parar no Brasil.
Folha - Você já cozinhou feijoada
em um programa. Você gosta de
comida brasileira?
Oliver - Feijoada pode ser boa ou
ruim, depende de que região vem.
No Reino Unido e na Itália, você
tem pratos semelhantes, não necessariamente sabores parecidos,
mas princípios parecidos.
Acho que há bons pratos no
Brasil, como -talvez esteja errado porque não estive lá- algumas das carnes curadas, alguns
dos peixes salgados. Um dos
meus bons amigos, Santos [Almir
Santos, gerente de cozinha do Fifteen], é do Brasil, é um bom cozinheiro também. Temos cerca de
dez brasileiros no restaurante.
Folha - Como um chef britânico,
como você encara as críticas à culinária britânica?
Oliver - Você sabe, a Inglaterra
tem sido famosa nos últimos 50
anos por ter uma comida terrível,
mas acho que, nos últimos 15
anos, isso realmente tem mudado. Há a mesma quantidade de
restaurantes de alto padrão internacional em Londres e em Paris
agora. O que ocorreu foi que, com
a revolução industrial, todo mundo começou a trabalhar, e as mulheres pararam de cozinhar. As
mulheres eram a fundação da casa. Mas eu gosto de ler os livros
que têm 200 anos, 150 anos
-época em que os ingleses não
eram muito legais, porque éramos, mais ou menos, donos de tudo, e os cozinheiros eram geniais.
Vou te mostrar algo [se levanta,
traz uma sacola com livros antigos sobre culinária britânica que
diz ter comprado no eBay]. Pode
parecer que estou sendo defensivo, mas não estou.
Folha - E isso está sendo resgatado?
Oliver - Sim. Não é porque sou
inglês, mas, geograficamente, a
Inglaterra tem de ter o mais incrível cordeiro, porco, carne [bovina] e vegetais de raiz.
Folha - Muitos homens da sua geração cozinham. O que acha dessa
tendência?
Oliver - Acho que é mais meio a
meio hoje, o que é uma coisa boa.
Antes, mulher e marido trabalhavam, voltavam para casa, e o cara
se sentava na poltrona. Quando o
"Naked Chef" [exibido no Brasil
pelo Discovery Travel & Living,
às quartas, às 13h30] foi lançado, a
mulher passou a dizer: "Olhe isso,
este chef é um garoto. Se ele pode
fazer isso, por que você, que é sete,
oito anos mais velho que ele, não
pode? Vamos lá".
Folha - Então, você acha que contribuiu para essa tendência?
Oliver - Espero que sim. Tenho
certeza que ajudei. Acho que
aconteceria de todo jeito.
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