São Paulo, quinta-feira, 21 de abril de 2005

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Com projeto social e programas na TV, Jamie Oliver faz sucesso entre o público britânico

Segredos de cozinha

À Folha, chef fala sobre sua relação com a mídia e a renovação da culinária inglesa

David Loftus/Divulgação
O chef inglês Jamie Oliver, dono do restaurante Fitfeen, em Londres; ele ficou famoso por seus programas e livros de culinária


ÉRICA FRAGA
DE LONDRES

Com jeito e rosto de moleque, Jamie Oliver é simpático, divertido, polêmico e nem um pouco modesto. Talvez não seja para menos. Aos 29 anos, ele é a celebridade do momento no Reino Unido. Já esbanjava fama por seus bem-sucedidos programas de TV e livros de culinária. Mas sua última conquista o alçou a um patamar superior no país: o chef revelou, em seu último show televisivo, a má qualidade das merendas escolares britânicas, propôs uma reforma na dieta e, de quebra, conseguiu que o governo liberasse mais verba para a alimentação dos alunos nas escolas públicas.
Em entrevista à Folha -a primeira à mídia brasileira-, Oliver foi agressivo sobre a imprensa londrina (invejosa de seu sucesso, segundo ele), disse ter carinho pelos brasileiros (emprega dez deles em seu badalado restaurante Fifteen, em Londres) e analisou que uma antiga e boa culinária britânica vem sendo resgatada.
Animado, o chef -que também pode ser visto no Brasil (seu programa "Truques de Oliver" é transmitido pelo GNT)- se sacudiu na cadeira quando se referiu à alegria dos brasileiros e disse que gosta de pratos como feijoada e "boninho de bacalau".
Confirmando que usa e abusa de uma linguagem bem coloquial, repetiu palavras como "shit" (merda) e "fucking" (como forma de acentuar os sentidos dos adjetivos que usava) várias vezes ao longo da conversa. Leia a seguir trechos da entrevista de Oliver.
 

Folha - Você está sendo tratado como herói agora por parte da mídia, mas seu relacionamento com imprensa e público britânicos não foi sempre uma lua-de-mel.
Jamie Oliver -
Não com o público, não com o público, o público foi sempre doce.

Folha - Mas a imprensa dizia que o público estava começando a se irritar contigo por causa da sua grande exposição, que era esnobe. Como se sente em relação a isso?
Oliver -
Em três meses, eles me darão um outro chute nas costas. Não me deixarão seguir impune. Você sabe, quer dizer, em duas semanas tive publicidade suficiente para o ano todo. Nas próximas três semanas, vai sair alguma merda nos jornais. No Reino Unido, como um cara público, você tem de estar preparado. Quando os jornais estavam dizendo "você é isso, você é aquilo", eu ligava para a emissora e perguntava: "As pessoas não estão assistindo ao programa?". E me respondiam: "Você tem tido [audiência] mais do que nunca, três vezes mais do que qualquer outro nesse horário da noite, em média".
A imprensa regional nunca foi um problema, o público nunca foi um problema. É, realmente, essa relação de ódio e amor que eu tenho com a imprensa de Londres. E isso acontece, basicamente, porque a maior parte das pessoas que estão escrevendo tem, aproximadamente, a minha idade. São ciumentos, pequenos idiotas.

Folha - Seus programas também são exibidos no Brasil e fazem relativo sucesso. O que você conhece sobre o país?
Oliver -
Nunca estive no Brasil. Na minha experiência limitada com os brasileiros, são pessoas muito boas em celebrar coisas, Carnaval, dança. Tudo que faço é celebrar comida e me divertir. Não digo o que as pessoas devem fazer. Só digo o que eu faço. Não é como uma pregação. Só tento me divertir, e, provavelmente, eles [os brasileiros] gostam disso. Quando soube que o programa é exibido no Brasil, fiquei muito feliz. Em parte, porque trabalhei com muitos brasileiros ao longo dos anos, mas também porque alguns anos atrás nunca pensaria que iria parar no Brasil.

Folha - Você já cozinhou feijoada em um programa. Você gosta de comida brasileira?
Oliver -
Feijoada pode ser boa ou ruim, depende de que região vem. No Reino Unido e na Itália, você tem pratos semelhantes, não necessariamente sabores parecidos, mas princípios parecidos.
Acho que há bons pratos no Brasil, como -talvez esteja errado porque não estive lá- algumas das carnes curadas, alguns dos peixes salgados. Um dos meus bons amigos, Santos [Almir Santos, gerente de cozinha do Fifteen], é do Brasil, é um bom cozinheiro também. Temos cerca de dez brasileiros no restaurante.

Folha - Como um chef britânico, como você encara as críticas à culinária britânica?
Oliver -
Você sabe, a Inglaterra tem sido famosa nos últimos 50 anos por ter uma comida terrível, mas acho que, nos últimos 15 anos, isso realmente tem mudado. Há a mesma quantidade de restaurantes de alto padrão internacional em Londres e em Paris agora. O que ocorreu foi que, com a revolução industrial, todo mundo começou a trabalhar, e as mulheres pararam de cozinhar. As mulheres eram a fundação da casa. Mas eu gosto de ler os livros que têm 200 anos, 150 anos -época em que os ingleses não eram muito legais, porque éramos, mais ou menos, donos de tudo, e os cozinheiros eram geniais. Vou te mostrar algo [se levanta, traz uma sacola com livros antigos sobre culinária britânica que diz ter comprado no eBay]. Pode parecer que estou sendo defensivo, mas não estou.

Folha - E isso está sendo resgatado?
Oliver -
Sim. Não é porque sou inglês, mas, geograficamente, a Inglaterra tem de ter o mais incrível cordeiro, porco, carne [bovina] e vegetais de raiz.

Folha - Muitos homens da sua geração cozinham. O que acha dessa tendência?
Oliver -
Acho que é mais meio a meio hoje, o que é uma coisa boa. Antes, mulher e marido trabalhavam, voltavam para casa, e o cara se sentava na poltrona. Quando o "Naked Chef" [exibido no Brasil pelo Discovery Travel & Living, às quartas, às 13h30] foi lançado, a mulher passou a dizer: "Olhe isso, este chef é um garoto. Se ele pode fazer isso, por que você, que é sete, oito anos mais velho que ele, não pode? Vamos lá".

Folha - Então, você acha que contribuiu para essa tendência?
Oliver -
Espero que sim. Tenho certeza que ajudei. Acho que aconteceria de todo jeito.


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